Filosofia e Arte!

Fui convidada pela Juliana Guterres para ministrar uma Oficina de Escrita Criativa no Encontro de Filosofia e Arte da Unisinos, e queria avisar sobre o evento para quem se interessar.

É um projeto super bacana, que objetiva promover o diálogo entre a Filosofia e Arte, assim como com outros meios de pesquisa acadêmica. Essa articulação da Arte com as demais ciências sempre foi algo que senti falta enquanto aluna da Unisinos e achei a idéia além de inovadora, extremamente rica.

Eu pretendo também trazer na oficina uma pincelada de Psicanálise baseada nas idéias freudianas discutidas em "Escritores Criativos e Devaneio" (1907), que acho um texto bárbaro. A idéia é que seja um momento interativo e não didático, também em fidelidade a própria noção pessoal que possuo deste signo da criatividade e respeitando a proposta da interlocução com a Filosofia.  

Por tabela, também estarei envolvida na Oficina de Fotografia deste mesmo evento, ministrada pelo meu digníssimo Rodrigo Brzozowski, que também foi convidado, e que provavelmente também participará de uma exposição de fotografia ao lado do Franscico Machado.

A Oficina de Escrita Criativa ocorrerá no dia 08/06/2010, das 17:00 as 19:00h e a Oficina de Fotografia no dia 09/06/2010, também das 17:00 as 19:00.

Aproveito ainda para agradecer a Juliana pelo convite, e parabenizar os demais membros da Comissão Organizadora do evento, Prof. Dr. Luiz Rohden, Giovanni Andersen Garcia, João Zaqueo Origuella Jr., Leonardo Marques Kussler e Tailan Adriel Frey, pela primorosa iniciativa.





O cárcere da mediocridade X A liberdade da criação*


Quem curte ficção ou literatura fantástica deve conhecer Edgar Allan Poe. Os Crimes da Rua Morgue? A Carta Roubada? Soa familiar? Não? Pra quem não conhece fica a sugestão. Mas não introduzi o autor para dar dicas literárias. Acontece que o cara, mesmo sendo considerado brilhante, foi avaliado como louco. É, pirado, lelé da cuca, fora da casinha. E certa vez alfinetou uma frase que já estampou minhas agendas e/ou diários de adolescência: "Resta saber se a loucura não representa, talvez, a forma mais elevada de inteligência." Bueno. Uma coisa posso afirmar a respeito do tipo: era criativo. Se duvidar de mim, leia-o.

Sob o viés psicológico, a criatividade não se limita a ter idéias bacanas ou a transformar tubos de tinta óleo em telas de pintura, mas inclui a capacidade de encontrar respostas incomuns frente a situações distintas (problemas, emblemas, esquemas, o que for). Em outras palavras, a sair de um caminho que já foi trilhado e dado como certo, óbvio, absoluto. Na vida real, pode ser por exemplo encontrar uma alternativa inusitada frente a um obstáculo no trabalho, que pode ser vista como absurda pelos demais colegas, algo que ninguém cogitaria. Na maioria das vezes tende a dar certo, experiência de caso.

Um erro medroso e perigoso essa coisa de seguir as convicções mundanas. O mesmo que fez, por exemplo, a huminadade crer que a Terra fosse plana, para após ter plena certeza de que fosse quadrada. Hoje em dia já existe até uma teoria louca de que ela pode ser oca, e não o globo formado de superfície, manto sólido e núcleo de metal fundido como a gente aprendeu na escola. A mesma teoria suspeita de que existe vida, outros povos e seres em seu interior. Loucura não? Talvez nem tanto.

Mas de volta ao Edgar Allan Poe. Ele não estava – e não continua – sozinho na idéia acerca da loucura. Bem antes dele, Platão usava um termo chamado “loucura divina” para designar a base de toda a criatividade. O filósofo atribuía uma ligação direta entre estas duas instâncias, talvez não tão “duas”: criatividade e loucura. Temos diversos exemplos de pessoas que marcaram fortemente a arte e/ou o meio intelectual que não pareciam bater muito bem da cuca, dentre eles: Picasso, Einstein, Tolstoi, Dali, Nietzsche, Miquelangelo, Maquiavel, BachD’Vinci, Vincent van Gogh, Utrillo, Modigliani, Mozart, e acho que quase todos os demais filósofos que me lembro, só para ilustrar.

Estes e outros tantos sublimes personagens apresentavam – em maior ou menor grau – variações extremas de humor, dependência de álcool ou drogas, distúrbios de comportamento, compulsões, manias, fixações, alucinações, comportamento anti-social, dentre outras fortes perturbações psíquicas, e foram considerados loucos. Mas por quem? Sabe como é, em terra de cegos quem tem um olho é pirado.

O que ocorre dentro da mente criativa é que o intelecto não se fixa numa única busca de solução, estatisticamente comprovada e cientificamente fundamentada, mas ousa procurar – e consegue encontar – novos caminhos. O pensamento tem uma fluência muito mais livre do que ocorre nas mentes amendrontadas pelas regras sociais, noções previas de certo e errado, moral religiosa, livros de história, ou fidelidade irracional ao nosso novo pai-senhor-todo-poderoso, a ciência (jogando em alto nível hein, pras massas na maioria das vezes é a mídia mesmo).  Mentes criativas conseguem refazer, resignificar, encontrar, criar de forma independente. Um talento. 

 Na oposição entre o que é convencional e não-convencional, tido como evidente ou fora de razão, certo ou incerto, a criatividade sempre brota daquilo que ultrapassa o obviedade, mesmo que precise passar pelos primeiros para poder nascer. Posto de forma mais sucinta, mentes criativas aventuram-se indo longe demais com suas idéias e seus pensamentos, as vezes mesmo ultrapassando as fronteiras do inteligível. Mas inteligível para quem?

Ora, já é um clichê que a inteligência e o sofrimento psíquico andam intimamente atrelados. Seria uma piada pensar que encontraríamos um gênio em um desfile de carnaval ou dançando em cima de um quejinho, feliz da vida, achando que se esta aqui a passeio, vivendo na superficialidade de si. Ser é arriscar-se. Sentir é arriscar-se. Criar é arriscar-se. Não sei se a terra é oca, mas sei que muitas cabeças o são. Quando estão cheias, são postas em hospícios. É o preço. No pain, no brain.


*Homenagem ao movimento anti-manicomial, comemorado dia 18 de maio.

Por um mundo menos alienado, por uma loucura mais sã. 

Por toda minha vida



Cena 1

- Mmmm…
- Marcela?
- Não…
- Mmmm...

- Do que vocês estão brincando?
- Não estamos. Estamos pensando no nome da sua irmãzinha que esta dentro da barriga da sua mãe.
- Porque ficam falando mmmmm?
- Porque queríamos um nome que começasse com “M”.
- O que é “M”?
- Uma letra, a mesma que começa teu nome. Faz esse som, mmmm.
- Mmmmm. Manuela.
- Isso.
- Mariana, mãe. Também faz mmmmm.


Cena 2


- Amanha vai nascer tua irmãzinha.
- O que é nascer pai?
- Bem, nascer é quando a gente vem ao mundo. Amanhã ela vai sair da barriga da tua mãe, e tu vais poder conhecer ela.
- Como que ela vai sair de lá?
- O médico vai tirar ela de lá.
- Como?
- Ele abre a barriga da tua mamãe, tira ela de lá, e depois fecha de novo.
- Minha mãe vai morrer pai?
- (Risos) Não querida. Ela nem vai sentir nada. Ele dão um remedinho que faz não sentir nada de dor. Olha, agora tu vais ser a irmã mais velha. Vai ter que ajudar a cuidar dela, ensinar novas coisas que tu já sabes, ela vai ser bem pequeninha.
- Que nem um passarinho?
- Não filha. (Risos) Maior que um passarinho. Mas vai precisar de cuidado, então tu tens que ajudar a cuidar dela. Comprei esse anel para dar de presente pra tua mãe.
- Mas não é aniversario da mamãe.
- Não é, mas é da tua irmãzinha. Amanhã vai ser o dia que a gente vai comemorar depois como aniversário.
- Posso eu entregar, pai?
- Claro que pode.

Cena 3

- Esta é sua irmã, vem conhecer ela.
- Ela é careca.
- Sim, as pessoas nascem assim. A maioria, tu nasceu com cabelo.
- Ela parece uma das minhas bonecas.
- Parece, mas ela é de verdade, tu tem que ter cuidado com ela.
- Eu posso pegar ela?
- Tu ainda é muito pequena pra pegar ela, e ela acabou de nascer, ela é muito frágil querida.
- Mas pai...
- Olha ela vai abrir os olhinhos, vem ver.
- Olha filha, ela está olhando pra ti!
....
-Oi Mariana. Eu sou a Manuela. Sou tua irmã mais velha. Isto quer dizer que vou cuidar de ti e te ensinar coisas que eu já sei.



Não importa o que tu digas, nem mesmo que não gosta de fazer aniversário. Eu sempre vou ter motivos para comemorar esta data. Te amei desde o primeiro momento em que te vi, e seguirei te amando enquanto existir. Se houverem outras vidas depois dessa, te escolheria 1000 vezes para  voltar ao meu lado. Se esta vida é tudo que há, eu tenho mesmo muita sorte. 
Feliz aniversário, Mariana.

Con(sumo)






Consumimos além da conta, renda, ou juízo. Roupas desnecessárias, carros que só faltam andar em cima d’agua, eletrônicos dos mais diversos tipos, cremes em quantidade tal que hidratariam a pele dos habitantes de um estado. Bebemos aquela água suja do capitalismo com nome de droga. Nossos sorrisos reluzentes e petrificados nas colunas sociais, álbuns de formatura e eventos festivos remetem aqueles do creme-dental, fotografias que um dia nos farão lembrar do quanto fingimos bem a felicidade.


Você é um idiota completo se não tiver o tênis dos campeões e acessórios inúteis com estampa oncinha que custaram mais do que a renda mensal de algumas famílias. Falando nisso, nossos parentes não são famílias se não comerem a margarina lá no café-da-manha, hoje livre de gordura trans para não infartamos do miocárdio, mesmo que o peito continue sufocando. Nossas necessidades desnecessárias se criam conforme a tecnologia evolui, nossas ações dependem da oferta, quem financia é o ecossistema que acreditamos ter de prover nossa estupidez como um seio inesgotável.

Nossas crianças colecionam prateleiras de brinquedos improfícuos e adulterdos, nossos jovens entopem-se de objetos e narcóticos, nossos adultos adquirem tudo aquilo que a alma não consegue comprar. Tem que ter, as revistas ordenam. Vai ficar de fora? Já disse “alô” hoje pra quem você ama? Só é possível pelo celular. Aliás, compre um daqueles que manda fotos para que seu amado se lembre da sua fisionomia. E não esqueça o sorriso escovado, tão reluzente quanto aquele espelho novo, que poderia estar pendurado na altura da cintura, visto que não se enxerga nada além do próprio umbigo.

Consumimos veículos que não nos levam a lugar algum, roupas que nos enfeiam porque alguma bicha louca ditou que é bacana, eletrônicos que nos robotizam e separam cada vez mais, cama sem aconchego, mesa sem afeto, banho sem tranqüilidade. Nossas belas casas estão longe de se tornarem lares. Nossos animais de raça, pet-shopados, escovados, perfumados e de unhas feitas fazem parte de nosso visual ultra-fashion. Medimos as possibilidades de uma pessoa pelo quanto ela pode pagar.

Casamos por dinheiro. Levantamos da cama por dinheiro. Trazemos gente ao mundo por dinheiro. Temos coragem de dizer que temos medo da violência e dos marginais, sem cogitar a assustadora violência que é se empurrar alguém para fora da margem social. Seguimos brincando de invisível quando algum pirralho sujo e morto de fome vem bater na porta do nosso vidro na sinaleira, ou parodiando de heróis achando que fizemos a boa ação do dia ao puxarmos 2 pilas do bolso.

Compramos presentes no dia das mães, pais, crianças, e aniversários, cujos preços delimitam o calibre da afabilidade e dos votos. Transformamos carboidratos em afeto, e entupimos nosso corpo com as mais diversas porcarias para desviarmos dessa nossa verdadeira imundice interna. Consumimos uns aos outros e a nós mesmos, amores descartáveis, sexo seguro sem o menor risco de afetividade, e voltamos pra casa cada vez mais abarrotados por fora e esvaziados por dentro. Con... sumimos...