Mulheres fálicas


O papel por muito tempo designado às fêmeas sociais, o da contenção e da passividade, as mulheres de voz e cabeças baixas, concordantes, de seios figurativos à amamentação e de ventres roliços destinados à procriação, passam a diluir-se na atualidade, com a libertação da figura feminina, sua inserção na arena do trabalho e comprovação de competência. Hoje os papéis entre masculino e feminino se fundem, ou pelo menos se misturam, e aos poucos emerge uma nova subjetivação de mulher, cujos contornos que outrora eram feitos a lápis em traços sutis, hoje aparecem pintados com a mesma intensidade com que uma agulha perfura e tatua a pele.


Refiro-me às mulheres fálicas. Essas mulheres, que assustam os homens asfixiados e confusos da pós-modernidade. Toda a mulher que nasce hoje, já nasce com uma autorização ao masculino. Já se forma em uma sociedade que lhes garante não apenas os direitos, mas os deveres. Ao voto, ao estudo, à voz-ativa, aos cargos de poder, tomada de decisões, ao volante, ao divórcio, ao espermatozóide anônimo, a discórdia, ao sexo. Paradoxalmente, não nos livramos de nossos “deveres antigos”, de sermos amáveis, simpáticas, sorridentes, bonitas, prendadas, boas parceiras e boas mães, e quase que invariavelmente, o menos fálicas possíveis.


Temos na história, algumas representações de mulheres fálicas que viraram ícones. São poucas, tão poucas que viraram ícones. Na política, na música, nos negócios, na literatura, na psicanálise, nos esportes, lá estão elas. Conheço de perto algumas. Dia desses me encontrei com uma delas, que me relatava alguns insucessos em suas aspirações amorosas, ao que eu lhe apontei que ela era tão fálica que devia assustar os homens, quem sabe se fosse um pouco menos.


Ela me rebate sem nem pensar para responder, “eles que aprendam a lidar com a minha verdade”. Decidida. “Sou mesmo tão fálica que comprei meu próprio pênis!”, ela me lança, referindo-se ao vibrador de coelhinho cor-de-rosa que trouxe de viagem. Mulheres fálicas não são passivas, são ativas. Mulheres fálicas penetram, adentram, perfuram e gozam onde bem entendem.


Mulheres fálicas são fortes, funcionais, elas buscam, catam, procuram, tem a mente voltada para o movimento, não se contentam com o lugar de trás. Ficam num impasse, porque também não querem andar na frente abrindo a trilha sozinhas, querem um homem igualmente ou mais fálico do que elas próprias, e estes também estão em falta. Quando existem são aqueles machões rusticamente trovejantes e grosseiros, que uma mulher que é fálica mesmo jamais vai se atrair, porque para elas inteligência e sensibilidade também são afrodisíacos, uma coisa não anula a outra. Complexo.


O que os homens ainda não descobriram, é que atrás de toda leoa feroz existe uma gatinha que pode ronronar, que vai defender a prole com unhas e dentes, e que vai lutar até a morte pelos próprios princípios. Ela é para fora, e portanto muito mais confiável, visível, fiel consigo mesma, fiel com sua própria verdade. Voltando a minha torrencial amiga, ela consegue transitar nesse pólo sem ferir. Fala na minha cara o que não gosta, onde foi que eu errei, e o que espera de mim. Se mostra, se lança, vive na intensidade dos sentidos, me encanta de uma forma que tenho um orgulho gaudério de tê-la como amiga. Não entendo como um homem possa temer isso, e não entendo como um homem não possa se apaixonar por isso, mas os homens são estranhos.


Talvez não apenas os homens não estejam preparados para elas. Talvez o mundo não esteja. Mas ser fálica é isso mesmo, é estar frente ao seu próprio tempo. Concluo portanto, me curvando aqui, em reverência à audácia, coragem, valor e existência de todas estas mulheres.

11 comentários:

  1. Eu faço o brinde ao conto. E na ordem do sigilo, faço a critica à mulher.
    É bom não confundir. As mulheres fálicas partem de um princípio teórico (o falo). As mulheres são inteligentíssimas! Fico com receio pois não gostaria de ver -porque já vi- uma liberação associada a uma certeza ideológica. E daí nos vamos começar a formatar o amor? E assim o perdemos. Uma liberalidade muitas vezes com objetivo de maquiar o desamparo. E a maquiagem não é castradora à mulher? Quero ver preencher coração com sabedoria de supersábios!
    Mas BAH! Com certeza, nao é facil ser mulher. Ainda com homens tão agarrados à sua corda de masculinidade. Mas, idependente de sexo ou escolha sexual, aquele que quiser amar, vai ter de viver este sacrificio de rasgar a corda de sua época. Esta liberalidade com tamanha certeza muitas vezes é nada mais do que medo da solidão. E amores serão sempre amáveis. Ainda que nunca o tenha.
    Ainda assim querida Manuela. Vi muito do texto sobre ti, e não sobre tua amiga. E por isto te brindo de coração quente. Um beijo.

    G Vermes

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  2. Bom, primeiro, quero te pedir para não me bater pelo que vou falar, pq pode parecer machista e não é. Colocado isso, eu acho o seguinte... essa inversão de papéis, tem lá seus prós e contras. Quando a mulher estava em casa, tanto a configuração familiar quanto a sociedade em si, se organizavam de uma forma. Se era melhor ou pior? Não sei, não sei mesmo. Mas sei que agora o mundo está caótico, e talvez seja um peso muito maior para vocês mulheres que tanto lutaram pelos direitos (e os deveres que vem de brinde) sem abdicar de nada, ou seja, ainda querem continuar sendo boas mães, cuidar da casa, enfim. Eu realmente não sei se isso é possível. De forma alguma estou aqui dizendo que lugar de mulher é dentro de casa, lugar de mulher é por tudo e todos os dias são o dia das mulheres, isto é indiscutível. Mas se um dia eu vir a me casar e se minha mulher decidisse que gostaria de ficar cuidando dos nossos filhos, o que já é uma trabalheira sem fim, eu acharia ótimo. Até porque o que vemos hoje em dia são pais cada vez mais atarefados, filhos cada vez mais negligenciados. Ninguém tem tempo pra nada, não que ter a mulher em casa resolva isso porque ela pode estar lá e não se fazer presente, isto depende muito da individualidade e não do papel de gênero em si. Não é questão de me assustar, mas acho que tem coisas que são de fato destinadas ao papel masculino. De qualquer forma, também encontrei características aí citadas no texto que são tuas que eu admiro muito em ti. Agora fiquei um pouco confuso. Talvez eu seja apenas um homem, e homens são estranhos... hehehehe. Beijos querida.

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  3. Bater, que é isso? Hehehe. E viva a liberdade de expressão. Aliás estou adorando a manifestação masculina. Beijo querido.

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  4. Adorei... realmente, os homens andam assustados com algumas mulheres... e isso é por demais frustrante... me identifiquei d+ com o texto, Manuela. E sim, homens são estranhos. rsrsrsrsrsrs

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  5. Do pouco que entendo e observo, alguns símbolos sociais foram abandonados como o equilíbrio, talvez por sermos afetados diariamente pelo desequilíbrio entre os gêneros. Pierre Lèvy falava dos seres sintéticos, em que era necessário sintetizar novos seres para o equilíbrio. E humildemente creio que discute-se a falta do equilíbrio entre os gêneros e por isso a "mulher fálica" ou o "homem feminino" sejam criados.

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  6. Ontem, na minha hora de terapia semanal, surgiu o tema da mulher fálica. Então hoje resolvi pesquisar e achei o teu belo texto Manuela. Entendo que a mulher fálica tem o seu papel positivo e negativo na sociedade. Positivo pelo fato de afirmar e reafirmar a condição de "igualdade" da mulher, no entanto negativo pois coloca mais uma carga para as mulheres, que podem sim perfeitamente suportar essa carga, mas que as vezes a suportam sem ao menos saberem ao certo se querem e se precisam suportar.
    Eu não tenho medo de mulheres fálicas, conheço algumas e até as provoco para que exaltem esse lado. Mas confesso que as vezes essa provocação pode ser perigosa.
    No entanto, acredito que o que acontece é que a maioria dos homens não gosta ou não sente atração por mulheres fálicas, como é o meu caso.
    E me desculpe a sinceridade, mas acredito que a mulher fálica tem no seu ego seu maior aliado e seu maior inimigo. Aliado para manter seu status e inimigo para ver além de si própria.
    Parabéns pelo Blog.

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  7. Diego, nunca se desculpe por sinceridade alguma, é uma virtude em extinção.
    (Em síntese isso significa "seja bem-vindo, e continue contribuindo com estas pertinentes observações". rsrsrs)

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  8. Muito lindo e bem escrito seu artigo, mas penso que essa "fusão comtemporânea mulher fazendo papel do homem" e precisando assumir papéis triplos, mulher, mãe, profissional em uma sociedade que não á respeita e que cada vez quer mais dela? Uma questão complicada?, pois se vc ler mais sobre a antiga cultura do país considerado por muitos como "das mulheres", o Antigo Egito, vc vai se deparar com uma mulher moderna e hiper respeitada. Dona de si, em igualdade ao homem sem ter que lutar para isso... ao contrário 'ADORADA", leia AS EGÍPCIAS retratos de mulheres do Egito Faraónico, autor Christian Jacq. É surpreendente, que lá há mais de 3 milênios, a mulher era considerada igual ao homem em todos os domínios, do espiritual ao material. Eram desde as grandes esposas reias, cidadãs anônimas, como donas de casa, mães, trabalhadoras, iniciadas, sacerdotisas, vizir, escribas, administradoras, especialistas em finanças,etc... Eram livres para casar-se com o homem de sua escolha, divorciar-se com direito a uma pensão alimentar, legar dotes e herdá-los. Elas já podiam gerir uma empresa, ser proprietárias de terras, administrar bens ou consagrer-se aos mistérios dos templos nos santuários. Ou seja aquela civilização concedeu á mulher um status excepcional se compararmos com outras culturas do mundo antigo, mundo que infelizmente herdamos. E que ainda hj estamos lutando "para concientizar e introjetar novos valores" um status que a nossa sociedade moderna ainda reluta para conceder!! Como diz o autor...Reviver estas mulheres egípcias é partilhar com elas um ideal de felicidade!! bjs

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  9. Muito lindo e bem escrito seu artigo, mas penso que essa "fusão comtemporânea mulher fazendo papel do homem" e precisando assumir papéis triplos, mulher, mãe, profissional em uma sociedade que não á respeita e que cada vez quer mais dela? Uma questão complicada?, pois se vc ler mais sobre a antiga cultura do país considerado por muitos como "das mulheres", o Antigo Egito, vc vai se deparar com uma mulher moderna e hiper respeitada. Dona de si, em igualdade ao homem sem ter que lutar para isso... ao contrário 'ADORADA", leia AS EGÍPCIAS retratos de mulheres do Egito Faraónico, autor Christian Jacq. É surpreendente, que lá há mais de 3 milênios, a mulher era considerada igual ao homem em todos os domínios, do espiritual ao material. Eram desde as grandes esposas reias, cidadãs anônimas, como donas de casa, mães, trabalhadoras, iniciadas, sacerdotisas, vizir, escribas, administradoras, especialistas em finanças,etc... Eram livres para casar-se com o homem de sua escolha, divorciar-se com direito a uma pensão alimentar, legar dotes e herdá-los. Elas já podiam gerir uma empresa, ser proprietárias de terras, administrar bens ou consagrer-se aos mistérios dos templos nos santuários. Ou seja aquela civilização concedeu á mulher um status excepcional se compararmos com outras culturas do mundo antigo, mundo que infelizmente herdamos. E que ainda hj estamos lutando "para concientizar e introjetar novos valores" um status que a nossa sociedade moderna ainda reluta para conceder!! Como diz o autor...Reviver estas mulheres egípcias é partilhar com elas um ideal de felicidade!! bjs

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  10. Ontem em uma balada me falaram que sou fálica e acrescentei: não só fálica, mas cefálica! kkk
    Que mal há em ser assim?
    Os homens tem medo de mulheres assim?
    Não gosto mesmo dos homens medrosos,
    quero um que me encare, me aguente e me segure bem firme!
    Adorei o que vc falou sobre os machões, os mais abrutalhados, gosto de homens de opinião, pegada, vozeirão,mas tem que ser inteligente, e como vc mesma disse, pq não fálico tb?
    Será que este tipo de homem já existe ou é algo a ser inventado? Já que o mundo tem mudado tanto...
    Adorei seu texto!
    Keep up the good work!
    Ana Claudia Campos Silva Gaivota (não consegui assinar de outra forma,ok?)

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