Sono R.E.M



O despertar antecipado, seguido da agitação frente a saída brusca de um pesadelo, me é familiar. Mas a ironia presente nos meus sonhos, que de tão atordoados, ao invés de descansar me deixam mais cansada, perdeu lugar para outra graça. A novidade ocorre na fração de segundos em que não sei onde estou, subitamente interrompida pelo teu braço enlaçado na minha cintura, que, acrescido à tua cálida expiração na minha nuca, fazem-me pensar que nunca soube tão bem.

Me viro de frente para ti com a mesma delicadeza que faz o vento, quando sereno, vir em brisa. E é engraçado o quanto eu, que nem sabia de onde vinha a calma, pudesse entender o mais fidedigno conceito de tranqüilidade apenas te olhando dormir. Observo-te atentamente, em cada detalhe. Tua respiração, quando teu peito infla tal como se pudesse absorver a atmosfera em filtro às poluições mundanas, fazendo teu corpo  fanar em um suspiro sereno. Teu ombro encolhido, numa fragilidade que um homem só possui quando dorme, no momento em que renuncia às inflexibilidades da vigília constante.

Teu corpo embebido pelos lençóis, inteiramente entregue, parecendo um convite ao atrevido facho de luz que emana da rua e aproveita a única fresta disponível da janela. Ele se destaca da penumbra, pousando como carícia sobre a tua pele branca, a qual, quando dou por mim, já está sob os meus lábios. Beijo tua pele vagarosamente, interrompida pela tua menção em acordar, quando apenas volta teu rosto a mim sem abandonar o sono.

Contorno teu lábio inferior com os dedos, e repouso com cuidado a cabeça no teu peito, apenas para escutar a batida que faz teu coração, tão harmônico com o meu próprio, que já não consigo distinguir o que é meu ou teu nessa melodia. Nem preciso. Nem quero. Sinto teus braços sonâmbulos ao redor do meu corpo, que instintivamente me envolvem. Meu corpo parece menor e mais frágil envolvido no teu, paradoxais à sensação que tenho de expansão cada vez mais crescentes dentro de mim. Me sinto mulher, e no entanto muito mais que isso, me sinto humana.

Tão mais perto daquilo que falta ao mundo lá fora. Aqui o mundo é à parte. Aqui não tem tempo, não tem hora, nem fronteira, não tem fim. Desse lado não tem hipocrisia, nem beijo cordial, lágrima fria, riso forçado, gozo velado, sentido forjado, peito vazio. Aqui a medida pra ser é não ter medida. Aqui é de verdade.

Acho tão contraditório no que tange meu ceticismo me ver agradecendo misticamente a quem quer que seja, quaisquer dos deuses ou arcanjos passantes, a tua presença na minha vida. Ali, sob tua testemunha oculta pelo sono, beijo tua testa e digo “obrigada”, enquanto vejo uma lágrima vívidamente colorida pelo meu sorriso escapar sem querer, e rolar sobre teu rosto. “Que grande ironia”, eu penso sozinha. Como se pode ter o melhor sonho acordada? Acabamos aprendendo novos significados... Descobri o do sono R.E.M.

2 comentários:

  1. "Repouso com cuidado a cabeça no teu peito, apenas para escutar a batida que faz teu coração, tão harmônico com o meu próprio, que já não consigo distinguir o que é meu ou teu nessa melodia."

    Lindo, amor.
    Lindo demais.

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  2. Fui abrir pra comentar, e só então entendi o porque do R.E.M.
    Lindo esse texto!
    Pra mim a melhor parte foi essa aqui: "Acho tão contraditório no que tange meu ceticismo me ver agradecendo misticamente a quem quer que seja(...). Ali, sob tua testemunha oculta pelo sono, beijo tua testa e digo “obrigada”, enquanto vejo uma lágrima vívidamente colorida pelo meu sorriso escapar sem querer, e rolar sobre teu rosto. “Que grande ironia”, eu penso sozinha. Como se pode ter o melhor sonho acordada?"

    Lindo mesmo, da vontade de amar.
    Beijo!

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