O cárcere da mediocridade X A liberdade da criação*


Quem curte ficção ou literatura fantástica deve conhecer Edgar Allan Poe. Os Crimes da Rua Morgue? A Carta Roubada? Soa familiar? Não? Pra quem não conhece fica a sugestão. Mas não introduzi o autor para dar dicas literárias. Acontece que o cara, mesmo sendo considerado brilhante, foi avaliado como louco. É, pirado, lelé da cuca, fora da casinha. E certa vez alfinetou uma frase que já estampou minhas agendas e/ou diários de adolescência: "Resta saber se a loucura não representa, talvez, a forma mais elevada de inteligência." Bueno. Uma coisa posso afirmar a respeito do tipo: era criativo. Se duvidar de mim, leia-o.

Sob o viés psicológico, a criatividade não se limita a ter idéias bacanas ou a transformar tubos de tinta óleo em telas de pintura, mas inclui a capacidade de encontrar respostas incomuns frente a situações distintas (problemas, emblemas, esquemas, o que for). Em outras palavras, a sair de um caminho que já foi trilhado e dado como certo, óbvio, absoluto. Na vida real, pode ser por exemplo encontrar uma alternativa inusitada frente a um obstáculo no trabalho, que pode ser vista como absurda pelos demais colegas, algo que ninguém cogitaria. Na maioria das vezes tende a dar certo, experiência de caso.

Um erro medroso e perigoso essa coisa de seguir as convicções mundanas. O mesmo que fez, por exemplo, a huminadade crer que a Terra fosse plana, para após ter plena certeza de que fosse quadrada. Hoje em dia já existe até uma teoria louca de que ela pode ser oca, e não o globo formado de superfície, manto sólido e núcleo de metal fundido como a gente aprendeu na escola. A mesma teoria suspeita de que existe vida, outros povos e seres em seu interior. Loucura não? Talvez nem tanto.

Mas de volta ao Edgar Allan Poe. Ele não estava – e não continua – sozinho na idéia acerca da loucura. Bem antes dele, Platão usava um termo chamado “loucura divina” para designar a base de toda a criatividade. O filósofo atribuía uma ligação direta entre estas duas instâncias, talvez não tão “duas”: criatividade e loucura. Temos diversos exemplos de pessoas que marcaram fortemente a arte e/ou o meio intelectual que não pareciam bater muito bem da cuca, dentre eles: Picasso, Einstein, Tolstoi, Dali, Nietzsche, Miquelangelo, Maquiavel, BachD’Vinci, Vincent van Gogh, Utrillo, Modigliani, Mozart, e acho que quase todos os demais filósofos que me lembro, só para ilustrar.

Estes e outros tantos sublimes personagens apresentavam – em maior ou menor grau – variações extremas de humor, dependência de álcool ou drogas, distúrbios de comportamento, compulsões, manias, fixações, alucinações, comportamento anti-social, dentre outras fortes perturbações psíquicas, e foram considerados loucos. Mas por quem? Sabe como é, em terra de cegos quem tem um olho é pirado.

O que ocorre dentro da mente criativa é que o intelecto não se fixa numa única busca de solução, estatisticamente comprovada e cientificamente fundamentada, mas ousa procurar – e consegue encontar – novos caminhos. O pensamento tem uma fluência muito mais livre do que ocorre nas mentes amendrontadas pelas regras sociais, noções previas de certo e errado, moral religiosa, livros de história, ou fidelidade irracional ao nosso novo pai-senhor-todo-poderoso, a ciência (jogando em alto nível hein, pras massas na maioria das vezes é a mídia mesmo).  Mentes criativas conseguem refazer, resignificar, encontrar, criar de forma independente. Um talento. 

 Na oposição entre o que é convencional e não-convencional, tido como evidente ou fora de razão, certo ou incerto, a criatividade sempre brota daquilo que ultrapassa o obviedade, mesmo que precise passar pelos primeiros para poder nascer. Posto de forma mais sucinta, mentes criativas aventuram-se indo longe demais com suas idéias e seus pensamentos, as vezes mesmo ultrapassando as fronteiras do inteligível. Mas inteligível para quem?

Ora, já é um clichê que a inteligência e o sofrimento psíquico andam intimamente atrelados. Seria uma piada pensar que encontraríamos um gênio em um desfile de carnaval ou dançando em cima de um quejinho, feliz da vida, achando que se esta aqui a passeio, vivendo na superficialidade de si. Ser é arriscar-se. Sentir é arriscar-se. Criar é arriscar-se. Não sei se a terra é oca, mas sei que muitas cabeças o são. Quando estão cheias, são postas em hospícios. É o preço. No pain, no brain.


*Homenagem ao movimento anti-manicomial, comemorado dia 18 de maio.

Por um mundo menos alienado, por uma loucura mais sã. 

3 comentários:

  1. Texto nota 10.
    E viva a loucura sã!

    Beijinhos

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  2. A loucura que vira de costas pro-texto, con-texto, pro-testo de quem não fica calada na espera da noite que não vem: insone. Teu texto é pungente, su-põe-gente na loucura tão alheia que é da gente... Grande beijo...

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  3. Você hein...sempre me ajudando a soltar a louca viva e criativa que persiste em me bagunçar e me guiar para a vida plena e feliz. Esse teu texto liberta, quantas coisas maravilhosas deixamos de fazer por medo da loucura. A loucura mesmo é querer dizer onde está a loucura, quando, no íntimo de cada um, sabe-se que ela está onde tem respiração, presa na cadeia nossa de cada dia que tenta dar conta do furacão de imprevisibilidade que é ter um coração a pulsar. Te amo e quero te ver logo, teu blog tá muito lindo. É especial.

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