Modéstia à parte. Modéstia parte! Modéstia? Aparte...


“Eu acho que tu devia ganhar dinheiro com isso” foi o que ela me disse, onde a primeira pessoa seguida do verbo achar foi posto estrategicamente para que não parecesse uma sentença demasiado invasiva. Digo isso pelo tom afirmativo em que a frase foi dita, e porque eu também sempre começo com “eu acho” quando digo a alguém o que este alguém deveria fazer com a própria vida, ou com parte dela. Ela se referia à minha escrita.

“Mas eu acabei de dizer que o problema central na proliferação da literatura consiste no fato de ela, assim como tantas expressões artísticas, terem virado indústria”, respondi rindo e de forma sincera. “Sim, mas tal como na análise, o dinheiro também consiste no reconhecimento a algo que se dá de si”, retrucou minha amiga formanda em psicologia ao meu blá, blá, blá. Me saí com essa: “Mas eu tenho ganhos! Os ganhos não necessariamente passam pela moeda. Tenho libido investida ali, mas as vezes um ganho pode ser o mero esvaziamento da angústia, que a escrita pode proporcionar.” “O sexo na caneta”, ela riu. “É meu falo”, eu ri. Assunto encerrado.

Como se algum assunto, qualquer que fosse, se encerrasse dentro da mente de uma mulher. Encerrado nada. Pronto, ela conseguiu me plantar aquela coisa chatinha e redundante da dúvida, do “e se?” que eu levei pra casa. Sem modéstias cordiais, sou boa pra caral.... na argumentação. Sério, eu consigo convencer alguém sobre qualquer coisa quando quero, se duvidar me procure. Te convenço do contrário.

A questão que ficou ecoando em mim foi o porquê eu quis argumentar ali e convencer ela do contrário se depois fiquei com essa droga do “e se?” me atazanando. Porque eu não fiquei quieta ou apenas disse “é, talvez”. Pensei nisso quando me sentei no carro, ainda em São Leopoldo, rumo pra casa. No caminho me lembrei de um episódio com outra amiga, no vestiário da academia, quando disse que a barriga dela estava bonita. Ela me falou que não adiantava nada ter a barriga bonita já que ela tinha a bunda lotada de celulite, e culotes no quadril que não saíam nem se ela corresse uma maratona por dia e comesse como alguém que acabou de cortar fora 90% do estômago em uma gastroplastia, palavras dela.

Então me lembrei da minha implicância com todas as minhas amigas que são bonitas por dentro e fora e não conseguem dizer “obrigado” quando elogio algo sobre elas, sem me apontar um defeito em lente de aumento. Pensei no quanto implico com todos que tem idéias interessantes mas insistem em parafrasear filósofos ou escritores renomados como alterego, ilimitadamente, com medo de assumir a própria palavra e responsabilidade sobre ela. Me lembrei de como implico quando meu namorado insiste em ressaltar que não  é profissional quando alguém elogia suas fotos, mesmo que tenha curso, técnica, arte na veia e principalmente um olho cuja sensibilidade, técnica alguma proporciona. Aí refleti no quanto a própria implicância é sempre a identificação da gente com algo, e que não a toa tinha lembrado de tudo isso.

Eu já tinha chego em Novo Hamburgo quando voltei a frase inicial, à minha reação, ao "e se?" chatinho, e sobre o quanto aquilo foi mais um elogio que eu não consegui aceitar. E agora pergunto, porque a gente tende a se desculpar quando alguém reconhece algo bom sobre a gente, seja o que for? Me desculpe por ser bonita, me desculpe por ser inteligente, me desculpe por ter talentos, me desculpe por ter boas idéias, desculpe a minha criatividade, desculpe as minhas boas fotos, desculpe minha existência. Porque nos desculpamos? Por que nos sentimos culpados? Porque a gente afasta o olhar do que é bom na gente apontando o que não é, ou desviando pra outra coisa?

Seria talvez por que nos achamos tão grandes, tão fodões assim lá no íntimo que o elogio explicitaria nosso ego inflado que ninguém deveria ver? Medo da própria perversão? Seria porque no fundo tudo o que gente quer é ser amado, e ser amado é ser reconhecido? Seria por termos medo deste amor não ser incondicional, nos sendo insuportável receber doses homeopáticas de amor implicadas em reconhecimentos parciais? Ou nem tanto, do risco do amor em si? Seria nada disso, teríamos aprendido que boa educação, bons meninos e boas meninas devem fazer apologia à modéstia? Estou aberta a respostas, pra quem tiver. E se alguém tiver gostado do texto, já saiba de antemão que meu cabelo anda cheio de pontas duplas.



4 comentários:

  1. Ju - a citada acima!12 de junho de 2010 às 01:51

    A modéstia se desfaz frente ao dom :P

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  2. ...só se deve escrever por dinheiro se for um trabalho, se for um lazer, deve-se escrever por gosto,e se for uma necessidade, dê vazão aos pensamentos, sem razão alguma, com alguma emoção, pelo simples ato de fazer...

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  3. Acho que tu deverias ganhar dinheiro com isso... hehehehe

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  4. O elogio descobre algo valioso... e quem tem, tem medo.

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