Ambivalência



Alô? Oi, sou eu. Como eu quem, não te faz que tu sabe muito bem que sou eu. Ah tá, e não aparece ali na telinha do teu celular. Como assim deletou meu nome da agenda? Mas tu é muito infantil mesmo. Tu continua o mesmo de sempre! Ora, liguei por que sou adulta o suficiente para pensar que tudo bem querer saber como tu está de forma civilizada, o que não me parece ser teu caso. É, adulta sim, por quê? Que crises? Eu nunca tive crises, tu sabe muito bem que TPM é um momento em que nenhuma mulher pode responder por si. Que desculpa minha o quê! Eu sempre fui a pessoa madura dessa relação, tu sabe muito bem, com a pequena diferença de que eu sempre quis ter do meu lado um homem e não um filho. É filho, sim! Ou tu achas que ter que ficar mandando ir pro banho, comer direito, cortar as unhas, abaixar a tampa da privada, avisar quando vai te atrasar é algo que uma mulher espera ter que fazer com um homem barbado que não seja seu filho? Mas como assim controle? Eu nunca te controlei! Tu tem uma dissociação entre controle e cuidado! É mentira tua, pura projeção, porque tu sabe muito bem que se existiu algum controlador sempre foi tu! Ah, e quanto aos “onde, com quem, que horas, que saia é essa, que decote é esse, tu vai sair assim?”! Mas que cretino, exibicionista para se vestir é a tua mãe! Ah, falei da mamãe, não pode falar da mamãe que o bebê fica brabo. Crianção! Aliás, teu ciúme quanto aos olhares alheios era injustificado, porque os outros homens apenas viam o que tu mesmo não conseguia ver! Ah tá, eu que tinha que te perguntar se estava bonita, tu nunca dizia espontaneamente. Imagina só o que é para uma mulher ver outros homens olhando para ela com o olhar que ela só queria do seu. Não, eu não gostava de homens me olhando seu idiota, tu continua distorcendo tudo o que eu falo! Frouxo é a palavra. É frouxo sim, frouxo é a denominação para um homem que deixa de tratar sua própria mulher satisfatoriamente. Não to cuspindo no prato que comi, to cuspindo no prato que não me comeu direito. Bem que eu gostava o quê, eu fingia se tu quer saber. Isso mesmo que tu escutou, fingia, o que não é difícil, visto que tu é tão egoísta que não consegue nem diferenciar um orgasmo falso de um verdadeiro. O que tu está insinuando com isso, porque não fala diretamente como um homem? Que absurdo, eu nunca te traí seu grosso! Não, eu nunca quis. Não sei porque, tu bem que merecia já que quer saber! E daí que eu queria sair com minhas amigas, porque isso significaria traição, seu asno? Como assim más influências? Tu lava essa boca antes de tocar no nome das minhas amigas. O que tem que a Lili falava de homem? Ah, e aqueles vagabundos bêbados dos teus amigos, nunca falavam de mulher de certo. Como assim coisa de homem? Mas tu é um machista imbecil mesmo! IMBECIL sim, quer que eu soletre? Como assim vai desligar? Escuta aqui, seu imbecil, tu vai ousar desligar na minha cara? Tá contando o quê? Um, dois, três o cacete! Seu estúpido, grosso, insensível, tu vai continuar sempre o mesmo!  É isso mesmo e nenhuma mulher em sã consciência vai te aturar, nenhuma vai agüentar nem mesmo o pouco tempo que eu agüentei, tu vai ver só. Tchau pra ti digo eu! E que bom que desligou na minha cara por que assim não vai escutar que eu ainda te amo e que estou morrendo de saudades, seu idiota.

* Da série Contos e Desencontros

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