Cheios. De falta.




“É que ele não me completa”.


A frase saiu de uma amiga portadora de vários atributos. Bonita, inteligente, sensível, romântica, são alguns deles. Após eu ter questionado o porquê do termino de sua mais recente relação – a quarta esse ano, e estamos em outubro – ela me responde com essa afirmação, com uma certeza tão inquestionável que só me restou dizer: “então tá.”


Guardem a frase. Agora levantem a blusa, e olhem para própria barriga (se estiverem num local público, podem apenas imaginar a própria barriga). O que vocês vêem? Salvo se forem o caso daquela moça que fez tantas plásticas que perdeu o seu, todos poderão constatar que ali reside um umbigo. Quem tem cicatriz de piercing infeccionado, pode ter dois “bigos” também. Mas um dia foi um.


Como nós, ligados um no outro, via cordão umbilical, um dia nos fomos complementados por um outro alguém. Então, se você tem umbigo no meio do tronco, já carrega a marca da falta. Lembre disso, cada vez que olhar novamente para o seu. Inerente à condição humana de existência no mundo, é a falta que nos faz permanecer em busca, que por sua vez, nos garante a condição de movimento.


Como nós vamos lidar com isso, com o quê vamos tentar preenchê-la, e qual caminho vamos perseguir, vão  dos valores pessoais de cada pessoa. Uns querem uma bolsa Luis Vuitton, outros uma Ferrari, alguns um marido de extensa conta bancária, um emprego de altíssima remuneração, um corpo perfeito, uma viagem longa pela Europa, o conhecimento, a cura do câncer, o amor, o cargo de presidente da república, cada um no seu redondo. Quem estiver plenamente satisfeito com o que tem, pode fazer a última busca. Escolher o seu caixão, e escrever a próprio punho em sua futura lápide a sentença de morte: “sou pleno”. Basta deitar e esperar, visto que não há mais motivos para viver.


Afinal, é a busca que dá sentido à vida. É o combustível que nos coloca em movimento. E viver é estar em movimento. Agora, esperar que alguém dê conta de preencher essa falta, já é sacanagem. Justificada, porque a gente se atrapalha ali na paixão. Paixão é uma fase em que a percepção da realidade encontra-se tão alterada, que podemos (quase) acreditar que estamos plenos. Que a dada pessoa é o bombril mil e uma identidades que faltava a essa nossa louça suja, que agora sim, finalmente, encontramos o remendo perfeito para esse inexistente cordão umbilical que o vazio na barriga insiste em lembrar que falta.


Se existir de fato um sentimento real (posto que paixão é fase), inevitavelmente, vai chegar o momento de restar o amor. E a falta. O casal pode achar estratégias, decidindo ter filhos, vai saber, dizem que é isso que completa né? Acontece que se ocupam tanto na função de pais que a falta perde parte do peso, não se tem muito tempo para as próprias questões existenciais, e assim vai se burlando esse vazio. Até que os filhos crescem, ou não crescem nunca, desimporta, uma hora a falta volta.


Iniciar uma relação esperando se sentir plenamente completo é mais furada que meia de mendigo. Pra quem estiver apaixonado, isso pode soar absurdo, então aconselho que volte a ler depois que a paixão passar. Já posso ouvir: “E daí, tu sugeres o quê? Se nunca vai acabar também devo ir comprar meu caixão?”. Calminha. A falta é ótima. Não é agradável de ter, mas sem ela, você nem estaria me lendo aqui agora. Inclusive não leria nada, visto que nem teria aprendido a ler. Pra que aprender (o que quer que seja) se não te falta nada?


O ponto deste texto não está em sugerir a alguém cortar os pulsos, mas em ressaltar a importância de se ter metas, tendo consciência que o caminho tem um valor fundamentalmente mais importante do que a chegada. Se quisermos sair de um lugar ao outro, podemos agilizar o pouso entrando num trem-bala. Mas estaremos renunciando à universos inteiros que vivenciaríamos caso viajássemos prestando atenção em cada passo.


Mais uma vez, entramos na dilatação do tempo, sábio Einstein. Perseguir, sim. Olhar para o horizonte, sempre. Mas jamais desmerecer a importância do tempo presente. A falta veio e vai conosco, seja onde estivermos. É importante aprender como usá-la ao próprio favor, e não contra si. E isso inclui assumi-la como condição, sem colocar como dever do outro resolve-la, correndo o risco de dar um tiro no próprio pé. Quando estivermos andando na mesma estrada, ao lado de outros umbigos, será incomparavelmente mais enriquecedor não centralizar o olhar só no próprio.

Um comentário:

  1. Acabei de ler de novo com mais calma. Adorei a tua abordagem do tema e a citação aos "universos circundantes" que há em cada olhar.

    Um beijo pra ti!

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