Entre crianças e filósofos




Eu preferia morrer à perder a curiosidade infante-filosófica-nata, e viver “sobrevivendo” em conformismo apenas. Lembro-me de quando meu pai me explicou frações matemáticas com pizzas. Até então, elas pareciam ininteligíveis. Ele pegou a pizza, cortou em 6, pegou uma, deu uma mordida e apontando para o pedaço de pizza ainda de boca-cheia, sentenciou: “eis um sexto”. Ah, era isso?

Não lembro minha idade exata, menos de uma década de vida, com certeza. Lembro de ter matutado na minha mente juvenil: “a matemática nada mais é do que uma forma de representação do mundo”. Conforme os cálculos se complexificavam, minhas perguntas iam seguindo as leis da multiplicação, incluindo ai indagações acerca das próprias limitações matemáticas. Desde aquela época, já existiam as crianças que decoravam as regras ensinadas, aplicavam-nas em provas e tiravam boas notas, e a esse processo se resumiam suas respostas e suas verdades.

E existiam as crianças, comigo inclusa, que faziam perguntas imbecis tais como “porque não é possível calcular um sentimento?”, ou que procuravam descobrir como fazer uma conta matemática por caminhos distintos, chegando ao mesmo resultado. O problema era que às vezes me perdia nas provas brincando disso, e depois de algumas delas tive que – pelo menos nas avaliações - me contentar em seguir o caminho chato, perigando repetir o ano.

Hoje analisando a cena, vejo o significado filosófico daquela curiosidade ainda instintiva, que toda criança tem. A matemática é uma representação, em signos, do mundo. Os números que compõem a matemática, são símbolos de tudo que é quantificável, e na matéria isso se torna prontamente observável. A matéria em si é dinâmica, sem a necessidade de intenção. Mesmo que sigam as leis da Física, fenômenos naturais ocorrem sem necessidade intencional, o que nos leva a concluir que a matéria é dinâmica por si mesma. Todo fenômeno físico pode ser convertido em números e explicado matematicamente. Se a matéria é dinâmica, ela nem sempre segue o mesmo caminho, linear, passo a passo, para o mesmo fenômeno. Porque então matemática deveria?

A história complica bastante se pensarmos na Ciência atual. As ciências em geral são todas filhas da Filosofia. O progresso da Ciência, nada mais é, do que respostas às perguntas daqueles que ainda fazem perguntas, com o perdão do pleonasmo. Mas e quanto àquilo que não é passível de quantificação? Aquela minha inocente pergunta “imbecil” era um raciocínio que fugia da lógica formal. Mas ainda vivemos a dialética marxista, e quando não, somos tão cartesianos que fragmentamos o sujeito em corpo e mente, e só nesses dois hemisférios encontramos um sem-fim de especializações, cujas tentativas são tão limitadas quanto nosso vão conhecimento.

Você tem problema de visão e comenta isso com um amigo médico. Só que seu amigo é gastrologista. Ele lhe encaminhará a um oculista. Você vai ao oculista, e ele descobre que seu problema existe devido a diabetes e assim você sai de lá com indicação a um nutricionista e um endocrinologista, no mínimo. Vai cansar de esperar sentado na salinha de espera como é de costume, até sentir dor na coluna, e será encaminhado para um fisioterapeuta. Chegando neste, vai ter um chilique porque ninguém parece poder lhe ajudar em seu problema, e ele lhe indicará um psicólogo. Você vai até o psicólogo, já com um nível de estresse tão grande que começa a sentir fortes dores no estômago, desconfia de uma úlcera e comenta com o psicólogo. Ele vai te mandar para um gastrologista, e então você vai bater na porta do seu amigo do inicio da história, e lhe perguntar qual é afinal, a finalidade das ciências da saúde? “A própria saúde ué”, ele provavelmente vai lhe responder escrevendo sua receita de remédio pra úlcera e achando que você é um “tapado” completo. Behavioristas, expliquem como funciona o condicionamento. Sim, espeto vocês também.

Vejam as “descobertas” dos gênios da história. São óbvias, vide a gravidade por Newton, através da simples queda de uma maça da macieira. Mas só se tornam “óbvias” depois de terem sido constatadas. E apenas o foram, porque alguém arriscou sair da lógica comum, e lançar aquela perguntinha que toda criança faz o tempo todo: por quê?

Já conversaram com alguma pessoa absolutamente convicta de algo? Vejam como as certezas são frágeis, a ponto de serem defendidas com unhas e dentes. Não existe estupidez maior do que atrelar-se as próprias verdades, se contentar com as realidades que lhe foram apresentadas, e cessar as indagações na primeira resposta que vier ou na própria conclusão empírica. Sábios são os que se consideram aprendizes, que perguntam e escutam. Medíocres já têm quase todas respostas. Mas estão entre os convictos os portadores da maior ignorância.

6 comentários:

  1. "...existiam as crianças, comigo inclusa, que faziam perguntas imbecis tais como “porque não é possível calcular um sentimento?”..."

    Lindo texto e bela abordagem, Manu!

    Beijos pra ti!

    PS: A foto encaixou como uma luva! :)

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  2. http://www.youtube.com/watch?v=gPNYEyAO2gA&feature=related

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  3. Manu querida..
    Lendo teu texto lembrei de uma das cenas mais lindas que vi depois de grande, uma menina olhando pro céu perguntou pra mãe:

    - mas mãe o céu é grande né, mas grande quanto?
    - ah, muito muito grande, não dá nem pra medir...
    (silêncio)

    - e como é que cabe aqui, no meu olhinho?

    bjo

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  4. Anônimo, bem lembrado. John Nash é o cara.

    E minha querida e brilhante amiga. Só aqueles dotados da capacidade infanto-filosófica-nata que permite sermos “grandes”, são capazes de perceber a beleza de uma singela cena como esta. =)

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  5. "Pra dilatarmos a alma
    Temos que nos desfazer
    Pra nos tornarmos imortais
    A gente tem que aprender a morrer
    Com tudo aquilo que fomos
    E tudo aquilo que somos nós"
    O Teatro Mágico

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  6. O ser humano nasce sábio. Depois, com o tempo...

    Kisses.

    Pedro Antônio

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