Cogito, ergo... sum?



No fundo eu sempre quis esgoelar meu ex-professor de Yoga. E nem era porque ele sugeria que eu era um ser sem coração só porque comia carne. Não dizia em palavras, insinuava, daquele jeito: “ah, mas tu AINDA come carne?”, como quem fosse completar com “ainda é um ser inferior que precisa desta pseudo-nutrição tão primitiva e cruel?”. Eu pagava meus “pecados carnais” me lembrando do frango depenado e pendurado no supermercado toda vez que ficava de cabeça pra baixo. De fato, o frango deve se sentir muito mal nesta posição. Troglodita eu.

Agora quando ele vinha com aquela do pensamento, eu queria mais era depenar e pendurar ele naquela mandala zen yin e yang que ficava no alto da parede esquerda. Quando ele dizia que eu devia “observar meus próprios pensamentos, deixar eles passarem por mim sem entrar neles”, era quando o bicho pegava. Sem noção o quanto isso é difícil, sem falar que o próprio fato de seguir a ordem já é pensar nela. “Não devo pensar... não devo pensar... Hum, estou conseguindo, acho... Putz, acabei de pensar que consegui não pensar”.

É claro que colocar os neurônios, axônios e dendritos pra fazer sinapses é bom, perigando tornar-se real a frase chocante que escutei certa feita de um ex-professor, de que o cérebro humano será nosso próximo apêndice. Chocante e nada fictivo, se levarmos em conta que hoje em dia tudo vem pronto para o consumo (e já pensado pela gente). Então não me refiro aqui ao não-pensar presente nas massas, que não deixam de pensar por escolha zen.

Me refiro ao pensamento, em sua forma defensiva de racionalizar tudo. Essa bem característica da neurose, das nossas defesas narcísicas e egóicas. Nem tanto a existência dos nossos medos, mas tudo o que deixamos de fazer por conta deles. Penso, logo, mudo de idéia. Porque, com o perdão da ironia, pensando bem, você vai mudar de idéia. Penso, logo, não faço. Porque toda escolha tem riscos, se retirar 100% dos riscos de algo, só sobra permanecer na situação atual, ou seja, nada fazer. Penso, logo resisto. Pensando eu me protejo da emoção, e racionalizar um sentimento é uma boa forma de não ter que senti-lo.

Eu de zen não tenho nada, sou mesmo é um poço de angústia. O que tem lá seu lado bom, quando bem canalizado. Mas a questão principal é que viver de forma intensa é incompatível a estar racionalizando as coisas em tempo integral. Se juntar tudo, penso, logo não durmo. Tudo aquilo que vale a pena se viver passa longe da lógica. Aquilo que você vai se lembrar um dia, o que foi mesmo importante, o que ficou registrado, foi o que você se permitiu viver, e não o que ficou matutando sozinho no mundinho seguro de si. Não posso falar por Descartes, mas eu existo por que sinto.




Um comentário:

  1. Não saber de si é viver. Saber mal de si é pensar. Fernando Pessoa no livro do desassossego...Gostei de seu texto Manuelita...bjs!

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