Declaração Oficial


Até agora não sei explicar direito como foi que você conseguiu entrar, só sei que nunca pediu licença.

Hemisférica em exageros como sou, só conseguiria pensar em duas formas de fazê-lo, arrombando a porta impetuosamente ou ameaçando greve de fome sem nem tocá-la, caso não abrisse para mim você mesmo.

Mas parece que nem tanto nem tão pouco, assim sem que eu percebesse mas me fazendo perceber. Pelas frestas, pétala por pétala, grão por grão ou caco por caco.

Não sei bem como, mas foi pelo solo, lá na base até então frágil, dentro no miolo. Sem expectativa de ganho, de gozo, de resultado, mas apenas porque, tal como a primavera abre toda e qualquer flor até então cerrada, não conseguia evitar fazê-lo.

Nunca aceitei te entregar raspas e restos e fiz um bom uso dessa argumentação, mas nenhuma alegação perfeitamente racional pareceu ter funcionado contigo, o que devo confessar, tenha me dado certa raiva por me retirar a satisfação pessoal de sempre ter sido boa nisso.

Devidamente irritante também tua mania ortográfica de sempre acrescentar mais dois pontos a cada término de frase, e deixá-los ali fazendo companhia em agrupados de reticências a cada ponto final que eu precipitadamente rabiscava, mudando completamente o rumo da minha história...

Também conseguiu acabar com certos conceitos acerca de esperança, confiança, amor, e outros tantos, contrariando não apenas a mim, mas ao meu corriqueiro escape nietzschiano e teoricamente conveniente.

O que sei é que conseguiu não me engolir, tal como era até então a minha experiência no caso, e modificado radicalmente minha visão até então tida como total (e hoje como parcial) da realidade das coisas, e dos relacionamentos humanos.

Além do que, delimitastes bem a distância entre sinônimos e antônimos extra-conceituais, fazendo com que tua ausência não me furasse nem me cortasse, visto que tu simplesmente não sai.

E tu nunca levou a sério minha tentativa ridiculamente ensaiada de tentar escapar, alegando direitos de consumidor para todo sim escancarado em cada não que eu tentei te vender.

Chegou um ponto que respirar longe de ti não existe, independente da tua presença física. E que cada inspiração tua deságua na minha própria, dentro de todos os sentidos possíveis de se extrair desta frase.

O mais surpreendente foi eu ter me surpreendido tanto, e o pleonasmo aqui se faz necessário. Com especial destaque a minha necessidade orgânica de sumiços que nunca te abalaram muito, sem contar tua capacidade admirável de conseguir se tornar porto de chegada para cada barco meu que insistia em partir

Seguro a ponto de rescindir o sentido dessa minha necessidade amedrontada de desaparecer, ou do meu jeito desconexo de pedir ajuda não pedindo, de gostar afastando, de falar me calando, ou de me esconder me mostrando.

Não me resta outra escolha senão declarar que se é para o bem da alma e felicidade geral desse coração, eu fico. Quem sabe, pra sempre.

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