Efeito devastador





Existem palavras que podem ter um efeito tão corrosivo quanto engolir um copo de veneno. As vezes basta uma meia dúzia de palavras para se chegar nesse efeito espada-de-zorro que te rasga no meio mais de uma vez, te corta a roupa para deixar teu corpo exposto pelas frestas. Palavras têm este poder: podem te lamber o ego, te acalmar o espírito, fazer o teu coração encontrar composições sonoramente mais ritmadas, ou serem tão agradáveis quanto um fio de espada dentro da própria carne.

A falta de palavras porém, pode ter um efeito mais devastador que a fúria da mãe natureza em tempos de efeito-estufa. Aliás, não poderia encontrar uma analogia mais adequada do que esta no presente momento. A coerência foi a mesma de sempre, remediar primeiro para depois se tentar prevenir.

“Oi, tudo bem?”

Uma pergunta sem sentido algum, puramente automática.

“Tudo, e contigo?”

Não poderia ter respondido nenhuma outra coisa. É lógico que não estava tudo bem, mas a dissimulação sempre esteve no cerne da pauta. O tipo de diálogo educadamente introdutório, porém no caso, educadamente conclusivo, uma vez que não havia mais o que dizer. Da minha parte havia. Da minha sempre parece haver.

“Ah!”

Um “ah” que poderia ter antecedido um “que alivio, lembrei de alguma coisa que posso falar que não deixe minha total ausência de vontade de falar contigo mais amena”. Teria sido, no mínimo, mais sincero. Mas não.

- “Ah, já entregou o teu trabalho de conclusão?”

Sim, já o entreguei, porém neste momento tu quem pareces me entregar o teu trabalho de conclusão. Pensei, mas calei.

- “E a banca, tem data?”
- “Legal então”.


Eu só conseguia pensar nesse momento o que aconteceria se eu pedisse para ir mais rápido com isso, porque aquilo estava de fato machucando.

- “Vai dar tudo certo, tu és inteligente, vais tirar de letra”.

Se tirar de letra fosse sinônimo de inteligência eu devo ser tão astuta quanto uma ameba. Sim, neste momento eu descobri como uma ameba se sente. Porque eu simplesmente não consigo lidar com isso. Calei, claro.

“Então está bem, vou desligar agora, tenho que voltar aqui para meu trabalho. Nos falamos, quero saber como foi tudo, me liga.”


Sim claro. Já que tivestes mesmo que telefonar, achou estranho fazê-lo sem falar minimamente comigo. Mesmo que embora eu preferisse não carregar na minha memória um diálogo mortalmente forçado entre nós, a ponto de ter conseguido ouvir do outro lado da linha o estrondo da força que fizestes, tentando arrancar do vácuo algumas palavras vazias em direção a minha pessoa.

Preferia que tivesses me preservado um mínimo de dignidade em troca da tua cordialidade fatal. Preferia ter ouvido que não, de fato não queres falar comigo, porque simplesmente não tem nada para me dizer. Preferia ainda, que não o tivesses dito, preferia o teu silêncio.

Sim, volte para seu trabalho enquanto eu tento catar os pedaços de mim que voaram longe depois dessa e volte para sua nova vida sem mim, já que para ti isso é possível. Para mim talvez nunca seja. Por mais distância de ti que eu queira. Apenas não consigo fazer com que meu coração beba da mesma fonte de indiferença que o teu bebeu.

Duas estranhas.
Devastador.

Um comentário:

  1. Manu...

    Eis-me aqui a sentir o veneno dessas parcas, poucas e pobres palavras que traduzem uma indiferença quase velada. Esse quase silêncio é pesado demais, corrói a alma, tal qual líquido dos infernos... despedaçando, dissolvendo e aniquilando a estima que resta.

    Me aproprio de um discurso teu... “Talvez o problema não esteja nas palavras e sim em mim...” Por querer demais, por amar demais, por esperar demais do outro aquilo que não nos pode ofertar! Esse querer tem o ônus de nos jogar por terra, nos alquebrar, nos deixando sem saber qual caminho seguir.

    Materializo esse diálogo e percebo que ele pertence a nós... a todos nós que nos expomos e perdemos o juízo completamente, por amar de forma desenfreada e desmedida. Pertence a todos nós homo demens... aquele que ainda tem muito a aprender com as pancadas da vida, pois o homo sapiens não tem mais nada a aprender, ele já é sábio...

    Beijo grande da Bahia,

    Adriana Galhardi
    adr_mello@hotmail.com

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