Para bom entendedor, suco de um gomo mata a sede.



Por mais que escreva, ao ponto de encontrar certa facilidade na descrição do momento em que uma laranja brilhante em baixo da duna de laranjas opacas na feira de frutas do supermercado grita pra que você a escolha como quem dissesse me coma, me devore, deixe que meu doce sumo te escorra pelos lábios, e você afoita sem discernir se está com fome ou com tesão, a arranca de sua base criando uma avalanche de laranjas ladeira abaixo e olhando desconcertadamente a sua volta se perguntando se alguém percebeu o seu ato desastrado, ou como pode o excesso de testosterona produzida pelos seus ovários policísticos fertilizar a sua imaginação com as coisas mais assexuadas possíveis - como uma laranja - quando o sentimento corre de verdade em mim, pouco consigo escrever.

Me faltam palavras. Quer dizer, palavras existem, é lógico. Muitos são os poetas, vivos e mortos que as encontram ou já as encontraram. O problema não está nas palavras, propriamente. Muito provavelmente esta em mim e na forma como eu sinto as coisas.

Como pode alguém sentir tanto, que se esquece do que sente para conseguir sobreviver àquilo? Quando me refiro a sentir tanto, falo de algo que realmente não cabe em um corpo, quiçá em algumas palavras. Ou frases ou textos, mesmo em um livro. Não cabe.

Não me refiro a viver a flor da pele, me refiro a viver em carne viva. Alguém aí julga o meu sarcasmo ou as muralhas de aço que fui construindo ao meu redor ao passar dos anos? Sim de aço. Palha, madeira ou tijolos são para porquinhos principiantes. Alguém julga meu esquecimento ou minha necessidade temporária de evaporar? Porque sumir deixa rastro, evaporar poderia ser mais eficiente. Ainda assim, precisaria desafiar a Física para evaporar o sólido temporariamente e portanto de maneira reversível. Sumo portanto, e o melhor é poder voltar e ter para onde voltar. Eu tenho e honro isso.

Sem mais dispersões, descobri desde que criei o e-mail deste blog que tenho mais leitores do que imaginava, sendo que um deles me escreveu dizendo que acha a maioria dos meus textos muito "pesados e viscerais" e o ponto chave do presente texto estava em conseguir entender (uso a escrita para me entender, e daí?) como centrar uma narrativa com as exíguas proporções de uma notícia jornalística, sem sangue nem lágrimas, simples como a vida é. Pois é, deveria ser, mas não como eu vivo. Às vezes chego a me questionar como que eu posso sentir as coisas em tamanha intensidade e sobreviver. Verdade posta, eu não sobrevivo. Eu morro a cada vez. E sinto toda a dor do nascimento de novo, pois tenho que renascer a cada novo fim, inicio ou meio.

Renascer, não significa voltar novinha em pele de bebê. Significa seguir vivendo, com menos tecido coberto, e mais carne a mostra. O que morreu em mim não evapora, tenho que carregar as cruzes e elas pesam as vezes. Mas não reclamo, já que não me permitem que eu morra mais de uma vez do mesmo mal.

O que gostaria realmente de poder me livrar, é dessa minha mania insuportável de prever a dor do nascimento pós-morte e virar pó antecipadamente ao começar as coisas pelo fim, vivendo o meio para voltar ao inicio, onde deveria estar meu ponto de partida. A vida tem vontade própria e segue um curso natural das coisas, brinca com minhas cicatrizes e me cerca por todos os ângulos para que eu comece pelo início de uma vez por todas. O que por sua vez trás todos os meus fantasmas e assombrações, minhas pseudo certezas, minha racionalização explicita que é a minha defesa mais bem elaborada.


E lá vou eu denovo nadar no sentido anti-horário do meu próprio tempo, quem tem coração que sangra sabe como é. Escrevo assim porque não sei viver e nem sentir de outra maneira que não seja por inteiro. Minhas árvores fazem sombra, meus frutos são latentes e meus gomos dão um caldo tão denso que talvez um estômago mais frágil tenha que misturar com água. Tem mais, tem sempre muito mais naquilo que você leu. Então imagine que você lê os textos de alguém que morreu e nasceu varias vezes numa mesma vida e que nem tanto tempo de vida propriamente dita tem. Por isso entenda que às vezes eu vou escrever na apologia ao “tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com minha dor”. Tenho certeza de que não fui clara. Mas é assim mesmo, eu nunca encontro as palavras. Laranjas são o canal.





PS-

Quero provar que existe de fato um inconsciente coletivo. Uma hora depois que postei este escrito, meu amigo Francis Londero, que nunca sequer decora o endereço do meu blog, me envia um texto que vai absolutamente de encontro com o que tentei escrever. Como achei o texto dele genial, pedi a autorização do próprio para postar aqui, em complemento. Seguem suas palavras:

"Realmente, a melhor escrita, ou, as melhores idéias nos alcançam em momentos inoportunos, no caso, quando não as esperamos. Pode ser numa noite mal dormida de insônia que resistimos fazer outra coisa senão dormir, assim como depois de muitos goles de vinho já embriagado por Dionísio onde somente encontramos linhas tortas. Sei lá!!!

O fato é que no momento da distração e até mesmo do não querer pensar é que ocorre aquilo que desejamos escrever, mas, que sempre acabamos por deixar de lado por imaginar que existirá o momento propício para isso.

Pobre escrita que sucumbe em sua naturalidade quando ambicionamos fazer dela uma burocratização. Os traços neuróticos que tomamos para nós como segurança para determinada produção somente aniquila o Ato singelo da criação.

O pior disto é que não ocorre somente com a escrita. Por comodidade efetuamos isso por todos os lados de nossas vidas - a cercamos com arame farpado. Atos direcionados em oposição a liberdade da criação. Creio que isso possa ter relação com o medo da morte, já que criação sempre vem acompanhada do falecimento daquilo que tínhamos programado por hora. Logo, podemos presumir que a criação é a maior de todas as assassinas!!! Mata o script ao nos jogar para o improviso. Lugar do inesperado paradoxalmente tão esperado pelos humanos medrosos que ficam a protelar tal instante. Como já dissera Nietzsche: Humano, demasiado humano!

Finalizando por hora, uma última frase que não sei mais de quem é (se é minha ou do Nietzsche): A revolução, a paixão e a criação somente são possíveis em momentos de esquecimento."

6 comentários:

  1. Você afirma que não encontra palavras... Mas as palavras encontram você. Morremos e renascemos mais do que deveríamos por conta desse desencontrado encontro. Esse saber sem saber, esse litigioso arbítrio de escrever...

    Manuela, obrigada por sua visita e pelas palavras tão belas. E perdoe a demora em retribuir a visita. Por conta do trabalho e dos afazeres domésticos, às vezes fico bem enrolada.

    Passei um bom tempo por aqui, porque amei ler os seus escritos.

    Um beijo. E inté!

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  2. Fiquei sem palavras.
    “Na sombra das laranjeiras, debaixo dos girassóis.”

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  3. Manuelita...minha lolita querida...sincronicidade é assim...vem como perfume de jasmim...enfim...somente quem acredita na magia pode ser feitiçeiro...então...faceiro invento palavras em depoimento...

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  4. Manuela, eu não sei se eu sou o leitor que tu te refere, mas eu mandei um e-mail dizendo isso, só que não foi uma crítica, foi um elogio. Leio sempre e gosto muito do que tu escreve. Um abraço, Thiago.

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  5. Ju Rigoni, que honra ter a presença de uma poeta como tu por aqui na minha humilde casa. Digo poeta porque poetiza como seria o termo na língua portuguesa é diminutivo e não comporta o tamanho das tuas palavras e escritos. Fiquei feliz pra caramba de saber que gostastes dos meus rabiscos.

    Thiago, sim era do teu e-mail que me referia. Eu gostei muito do que falastes por e-mail, entendi sim, e que bom que tu gostas, até porque se não gostasse eu teria que pedir pra ti deixar de ler porque ia continuar escrevendo assim. E gosto de saber que tem gente inteligente que me lê.

    Abraços!

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  6. Eu tô há 4 dias procurando palavras pra comentar a respeito, mas não encontro nada. Então melhor deixar assim.

    O que não posso deixar de comentar é que as fotos-tema tão cada vez melhores. Essa da menina-sépia com laranjas entrou no texto como se fossem palavras.

    Beijos

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