Pena, constatação de insuficiência...





Não é a toa que ouvimos por aí que “não deveríamos sentir pena de ninguém”. Erroneamente confundido com compaixão, a pena é um sentimento pequeno, adequadamente proporcional ao tamanho daquilo que nos causa a própria. Quando sentimos compaixão por alguém, temos necessariamente algum nível de identificação, alguma mobilização interna por uma pessoa, uma história, uma situação, um acontecimento.

Seja o que for, enquanto a compaixão esta intrínseca à identificação, a pena é filha da indiferença. A compaixão consiste na constatação de uma dificuldade, de uma situação ou condição em que conseguimos nos deslocar para outro lugar que não o nosso. É um sentimento de acréscimo, no momento em que nos sensibiliza e portanto nos humaniza. E o que nos humaniza nos engrandece.

A pena não. A pena em nada nos acrescenta, já que provêm daquilo que subtrai. É uma substrução fraudulenta. Enquanto a compaixão expande nosso olhar, sentir pena é olhar para baixo, para os “pombos no asfalto, que poderiam voar alto, mas que insistem em catar as migalhas do chão”, como canta Zeca. Tal como se observássemos a paisagem e de repente vislumbrássemos uma faixa de terra queimada, escura e sem vida, destruída pelas mãos dos homens. Olhamos com pena ao constatarmos uma lamentável incidência, e seguimos adiante na estrada. Seguimos. Sem acréscimo, sem mobilização, sem oscilação.

Por essas e por outras, não existe nenhum outro sentimento, dentre os que eu não gostaria de sentir, como a pena. Vivendo em um mundo cheio de aberrações de todos os tipos e coeficientes, parece impraticável imunizarmo-nos deste sentimento. Mas preferia sentir ódio, raiva ou mesmo revolta. Ou qualquer outro sentimento que pulsasse, que mobilizasse. Estes sentimentos provem do excesso, do exagero, daquilo que transborda. Se transbordar é porque se move. Se mobilizar é porque está vivo.

A pena denuncia uma lacuna, um esvaziamento, ou o próprio vazio de sentido e de existência. Sinaliza uma falta, uma ausência, provêm da constatação de insuficiência. Um suspiro, um lamento por tal coisa ser como é, ou o que é. O que é medíocre, misericórdia, aquilo que nos causa a comprovação da miséria alheia. Compaixão é elevar-se para cima do lugar que se encontra. Pena é apenas olhar pra baixo.

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