Adulterados




Não posso nem descrever o quanto essa guria me irrita. Mas que criaturinha mais metida! Esconde-se atrás de tanta vaidade toda sua insegurança. Além de ser arrogante, presunçosa e mais nariz empinado do que.... Do que... Do que.... (pera que vou procurar no google um bom complemento de expressão popular pra isso. Xiii, não tem...) ahm... er... tá bem, do que eu!

Já pararam pra pensar que na imensa maioria dos casos em que implicamos com alguém sem um motivo aparente, estamos apenas projetando nossas próprias desaprovações? O outro-espelho, o outro depositário daquilo que sou e não queria ser, o outro meu alvo de apoio e desvio. Quem nunca foi com a cara de alguém (o que é não ir com a “cara” de alguém afinal?) e se surpreendeu depois, que atire a primeira pedra.

Todos fazemos. É valido, a nível de crescimento pessoal, sempre se estar atento as críticas que depositamos nos outros, visto que aqui não se trata de estudar a mente humana e traçar um diagnóstico com propriedade. Se somos capazes de identificar no outro via senso comum, a palavra resume o processo. Identificar deriva  de identidade. E identidade provém de idêntico. É a partir da realidade externa que as pessoas constituem este noção subjetiva de um “eu” separado dos demais. Ao longo da infância, da educação, das vivências singulares, de como foram significadas as experiências reais ou imaginárias de cada um, que vamos construindo esta idéia (própria) de identidade.

Não é difícil perceber, visto que não nascemos dotados de visão raio X, que o dedo em riste que voltamos ao outro está apontado a nossa própria testa. Já que ninguém esta lendo nossos pensamentos, confessemos na cumplicidade do anonimato (de vocês, eu estou confessando abertamente), quantas vezes não julgamos alguém sem conhecer? Quantas vezes escutamos um lado de uma história, sendo que toda história tem no mínimo três lados, e mesmo assim caímos na ignorância de tomarmos partido-cego? Quantas vezes não caímos na armadilha reducionista de limitar o universo inteiro que é cada ser humano, na definição de um adjetivo?

Duas coisas incomodam. O idêntico e o oposto. O idêntico, por ser aquilo que sou. E o oposto por ser aquilo que gostaria de ser. O que não tem nada a ver com a gente, não incomoda. Mas incômodo é sempre bem vindo. A areia que entra na ostra é um baita incômodo, mas se assim não fosse, não existiram pérolas.

Concordo que as vezes cansamos de nadar em oceanos de ostras vazias. Às vezes somos grãos de areia, dentro destas ostras, e elas não sabem o que fazer com a gente. E uma boa existência sempre vai incomodar. O colega de trabalho que quer te passar a perna, a menina que te inveja, o amigo da onça que quer te ferrar, aquela pessoa que nem te conhece e te crucifica sem o mínimo de propriocepção para discernir o quanto fala dela mesma.

Assim caminha a humanidade, hora sendo ostra, hora areia, pérola ou oceano. Com alguma coisa em comum. O traço humano que nos financia como fragmentos da mesma espécie. Tenho mania de imaginar todas as pessoas quando crianças. É um exercício que aconselho, pois fica mais fácil entender sobre a primitividade humana, além de ser divertido.

Aos poucos, vamos percebendo quem é aquela criança que precisa de atenção porque não teve, qual é a insegura, zombada e excluída na escola, a emburrada num canto, a que não teve o carinho que deveria ter, aquela que não foi respeitada em sua condição de infante e cobrada a ter recursos que ainda não possuía, a que fica procurando um rosto conhecido na apresentação de final de ano e não encontra, a que morde o coleguinha, a que tem medo do escuro, a que só precisa de um colo, uma historinha pra dormir e um beijo de boa noite.

Às vezes penso que o fascínio que temos com crianças, é porque elas nos lembram do tanto que o mundo tratou de nos corromper e o do quanto deixamos que ele o faça. Trocamos sonhos por descrença, pureza por desconfiança, entusiasmo por conformismo, peito aberto por auto-preservação furada, espontaneidade pela norma, fantasia pelas máscaras identitárias.

Abdicamos das nossas perguntas, dos nossos porquês, de ver o mundo como um espaço potencialmente novo a ser descoberto e criamos a falsa idéia de que crescer seria constatar que mundo é essa porcaria aí mesmo. Mas mesmo corrompidas, quebradas ou cheias de cicatrizes, somos todos ainda crianças. Crianças que trocaram sua capacidade de imaginação, suas bailarinas ou super-heróis, por essa fantasia chatinha, sem cor e sem graça de adultos.

Feliz dia das crianças procês!

3 comentários:

  1. Os teus textos tão cada vez melhores! Esse aí matou a pau!
    Queria fazer uma observação, na parte que tu falou sobre incômodo, nem tudo que é oposto gera incômodo, a exemplo da admiração. Quer dizer, pode até se admirar o oposto de ti em algo, mas admirar alguém não é invejar alguém. Não sei to viajando no texto, não sei se fui claro.

    Beijosss!

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  2. Oi Renan.
    Entendi sim, mas creio que mesmo a admiração é subtipo da inveja. Veja bem que a palavra inveja parece sempre vir carregada no espectro moralista, como algo não “bonito” de se sentir (ou admitir que se sente), mas o que seria a inveja senão constatar que o outro possui algo que eu não possuo?

    Pequeno seria querer destruir o outro por isso, fincando o pé no sentimento de inferioridade e necessidade de soberania, e não voltando-se ao lado construtivo, que nada mais seria senão voltar-se a si, e (re)pensar em como se pode alavancar o próprio desenvolvimento. A inveja pode tanto ser destrutiva como inspiradora, dentro do que ela mobiliza em ações. Eu invejo os pássaros, e isso não faz com que meu desejo seja o de lhes privar de suas asas.

    Abraço!

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  3. Depois de ler esse maldito texto, comecei a prestar atenção no que eu implico com algumas pessoas, e não é que é verdade????
    Mas que droga!!!
    Agora nem mais julgar os outros eu posso em paz!
    Hahahahaha

    Beijo guriazinha.

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