Relacionamento aberto. Topa?



Olha, meu bem. Nós temos que conversar. Sim, eu sei o quanto a gente se gosta em ordem sempre crescente, quanto nosso encontro tem o raríssimo poder de parar o tempo e tua presença, o surpreendente efeito de me trazer mais calma. Surpreendente é a palavra que define um bocado de coisas sobre ti. E isso é bem complicado nesse mundo de iguais.

Eu sei também que o mais natural agora seria considerar tua requisição de oficialidade e titular o cargo. Mesmo por uma questão prática, porque essas definições civis ou pré-civis não têm importância alguma para mim. Mas assim poderíamos abdicar do malabarismo de conceitos que o mundo parece exigir, ao referirmos um ao outro. “Quem é ele(a)?”. “Ah, minha... amiga.” “Rolo”. “Ficante”. Termos dolorosos estes. Meu namorado e/ou minha namorada. Fim de papo.

Um “porém” existe, no “entanto”. Para isso, teremos que fazer um contrato prévio. Realidade posta, devo confessar que tenho uma necessidade um tanto quanto inusitada, e não sei se tu vais aceitar. Sei que é diferente, meio moderninho ou mais velho que o mundo. Sei também que é preciso coragem além da conta para permitir isso. Entendo perfeitamente. Mas preciso te pedir, porque sem este detalhe não dá, espero que tu entendas também.

Além de te namorar, eu quero ter um caso com vários homens. E algumas mulheres. Pronto, falei. É bem isso, diretamente falando. Não tem como introduzir de outra forma. Mas não acaba por aí. Tem mais, e consiste na parte mais difícil. Não só eu quero que tu aceites meus casos “intraconjugais”, mas que tu mesmo me apresente a cada um. Isto porque tu já me apresentaste para alguns extremamente interessantes, e então penso que tu podes, além de ser meu namorado, ser uma excelente via de intermédio. Será que isto te soa muito estranho?

Eu quero ter um caso com menino que mora aí dentro. Esse que quando fica doente, corta o dedo, tem dor de cabeça, de barriga ou outra qualquer, fica completamente regressivo, assustado e manhoso, mesmo que jamais confesse, sempre jurando que realmente se sente pela hora da morte. Tenho um instinto materno para nutrir.

Quero ter um caso com teu lado feminino, que dá palpite nas minhas escolhas, indo das cores dos vestidos até as que podem mudar meu futuro. Que adora conversar, e tem sensibilidade para ouvir até o meu silêncio, indo além da competência pragmática. Pode ter o tal instinto materno também, porque muitas vezes o “menino dramático” sou eu.

Quero ter um caso com teu lado homem mais velho, que me ensina sobre a vida, que saiba coisas que eu não sei. Que critique a minha inconseqüência e impulsividade. Que me lembre que precocidade não é sinônimo de maturidade. Que ostente o prazer sem ressalvas, moralidades ou preconceitos.

Quero ter um caso teu lado adolescente, idealista, sonhador, inconformista, em constante transição. Esse que ainda não cansou porque esta apenas começando. Com um tanto de ingenuidade, um tanto de romance, mente agitada, corpo pulsante, sorriso escancarado, passo largo e peito aberto. Tenho uma inquietação crônica para dividir.

Quero ter um caso com teu lado artista, que como cegos e crianças, enxergam no escuro. Que faz milagres. Cuja própria retina incide em um portal entre o mundo dado pelos sentidos e consensos, tal como ele não é, e o mundo das estrelas distraídas, das cores essenciais, das verdades circundantes, dos verbos transcendentes, dos outros universos.

Quero ter um caso com teu lado feminista-pero-no-mucho. Contra os assédios execráveis pelas ruas, os preconceitos a respeito das capacidades intelectuais, filosóficas e políticas das mulheres, contra a condenação das saias, mercado de trabalho e divisão de tarefas, mas a favor das diferenças evidentes de gênero, sabendo que cabe ao homem assumir a direção numa viagem, as lâmpadas queimadas, e as latas de conserva.

Quero ter um caso com teu lado espontâneo, que dê risada quando não pode, que fala o que pensa mesmo se for qualquer bobagem, porque bobagem falada não é besteira. Esse lado que se arrisca, que petisca, que não ensaia, não faz pose, não sobe no palco, canta no chuveiro, me convida pra dançar na sala, se lambuza tomando sorvete, se declara em público, que não teme a exposição e acha que ridículo é seguir a regra e que estranho é parecer normal.

Quero ter um caso com teu lado homenzinho, que bebe cerveja com os amigos, xinga vendo futebol, acha que encontra o caminho sozinho, joga bola nas quintas, lasca o joelho, pede cuidado, não encontra objetos que estão a poucos palmos do nariz. Que me faz andar do lado de dentro da calçada, e faz de conta que presta atenção quando eu falo nos efeitos maravilhosos do último creme que comprei pra pele quando na verdade esta tentando pressagiar os possíveis placares dos jogos do Brasileirão, para ganhar o bolão de apostas entre os camaradas.

Quero ter um caso com teu lado tranqüilo, que encontra felicidade em balanço de rede, som de violão, fruta colhida do pé, ar gelado da serra, barulho das ondas, uivo de vento. Que faz amor sem pressa, beija sem intenção, que toca meu braço e põe meu cabelo atrás da orelha instintivamente quando eu conto do meu dia, que me diz que vai ficar tudo bem quando me abraça forte e me lembra que já estamos distantes de tudo.

Não quero que fechemos a nossa relação em conceitos ou exclusividades identitárias. Quero um relacionamento aberto. Se amor não for amor-livre o suficiente para que a gente possa ser, então vamos ter que chamar de outra coisa porque amor não é o nome disso. Em suma, eu quero todos. E todas. Quero conhecer teu inteiro e te apresentar o meu. Quero ter o teu inteiro, e poder te dar o meu. Topa?





* Foto de Ritinha, que apropriadamente também atende por Rita, Ana Rita, Babaloo e também se permite viver a pluralidade de si.



5 comentários:

  1. Rita, Ritinha, Babaloo4 de dezembro de 2009 às 20:47

    Que maravilha ter a honra da minha foto no blog. Ainda mais por ter sido veiculada com esse texto lindo. Adorei! Vou acompanhar os textos sempre.

    Beijos

    ResponderExcluir
  2. Mas putaquepariu!!! Que texto foda guria!

    ResponderExcluir
  3. GE-NI-AL !
    Quase aplaudi quando conclui a leitura. Acompanho o blog tem algum tempo, sempre de olho pra ver se saiu algum texto. ;-)

    ResponderExcluir