Talvez no tempo da delicadeza...




Acordei sem despertar naquele dia. Todas as pulsões chacinavam-se, esgotadas. Meus pensamentos espalhados por todos os cantos, como cigarras performáticas de um verão glacial. A princípio pétalas, mas ali o caule inóspito revestido de um silêncio mortal.

Quando caminho por entre as sombras dos teus aforismos, vejo que são tão ou mais desordenados do que os meus. Não fazes idéia. Reprimiria os anseios submetidos à ordem de infração, sob teu magnetismo indesviável. Até mesmo me soltaria sem bússola caso fosse, mesmo que sem pouso. Ainda que sem repouso. Faria.

Entendo os receios, mas quanto à confiança devo alertar que sou um contra-senso aos que duvidam. Aos que não crêem sou mesmo um paradoxo, um demônio de silfos vestindo asas barrocas. Para os que não se arriscam na exuberância da soltura, aceito que me culpem. Que assim seja e me poupem de seus desgostos.

Nós somos d’outra natureza. Teu espírito também foi tecido em lugar edênico e estamos atrelados pelo mesmo fio. As mesmas dores, a mesma angústia, que já cristalizam pelas frestas de virtudes. Os subsídios já estão todos forjados.

Quanto às pedras atiradas, não procuro lapsos de bondade em olhares alheios, por onde possa encontrar ciscos de reconhecimento vulgar. Nem mesmo desejo partilhar parte da culpa através dos julgamentos de outrem. Faço por inteiro e que a conseqüência seja cabalmente minha. Hei de seguir da mesma forma, sem margem, sem método, com amor irrestrito.

Destas almas inquietas como as nossas, dizem, depois  que morrermos teremos vivido. Só então viraremos bons poetas. Mal sabem de onde viemos, por onde andamos. Ignorantes dos ventos que nos fazem içar as velas, bebendo poesia no remanso das águas. Que assim seja a sentença e custo. Cada qual sabe da própria renúncia, mesmo que seja por inabilidade.

Ainda tenho erros por cometer, e não há como ser d’outro modo. Assino cada um com nome, sangue e digital. E após toda essa deselegância virá nosso tempo, onde te alcançarei subitamente, irreversivelmente. Quiçá na face imprevista da poesia que corre a galope,  abruptamente carregada pelo vento. Sem mágoa, sem volta. Por inteiro.

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