Síndrome de Diagnóstico



As patologias nunca estiveram tão banalizadas. O mal-estar se transformou em um tabu onde lágrimas são mais interditadas do que carne contaminada em açougue de esquina. Ninguém mais fica triste, fica deprimido. Crianças perderam a inquietação característica da infância, em troca de hiperatividade. O desinteresse em sala de aula – na estrutura fracassada de ensino vigente – é delimitado em boca cheia pelos docentes como síndrome de déficit de atenção. Me pergunto de quem.

Parece ter sido dada a largada à busca colossal por um enquadramento demarcativo, algo que conste nos registros. A aldeia psi tem sua parcela de culpa no momento em que enaltece os diagnósticos, herança de um dos pais da psicologia, a ciência médica. Diagnóstico, tratamento, prognóstico e resultado, necessariamente nesta ordem. Tudo muito prático, objetivo, linear. E antagônico à psique humana.

Alunos de psicologia geralmente passam os dois primeiros anos da faculdade seguros de que possivelmente são o único caso (desconhecido por Freud) que comporta todas as estruturas de personalidade. Eu inclusa. Sem falar que certamente também tinha TOC, Transtorno Afetivo Bipolar ou bordeline. Mas poderia ser maníaca e ter neurose obsessiva, distúrbios compulsivos e/ou personalidade adicta, depressão, melancolia, hiperatividade, fortes inclinações esquizofrênicas, alguns momentos de pânico e outros em episódios autistas ou anti-sociais. Isto sem contar uma plausível Síndrome de Esquiva, um possível Transtorno de Personalidade, além de convenientes momentos de Agorafobia.

Rodamos o CID e o DSM até nos darmos conta de que – em campo de perturbações mentais - quem tem tudo não tem nada. Alívio? Que nada. Aliviados estaríamos se pudéssemos nomear o que afinal se passa conosco. Ora, se existe um nome para isso, não estamos sozinhos, deve existir alguma saída, se existe diagnóstico deve existir terapia breve, medicação, internação, ou grupo de apoio. A mim apenas cabe parar aqui de braços cruzados, no conforto dessa sala decorada em art noveau, batendo o pezinho, esperando meu Prozac e pagando minha conta todo mês. Más noticias, não funciona assim.

Vemos pessoas institucionalizadas apresentarem-se com o nome de suas patologias, “muito prazer, meu nome é Carlos e sou esquizofrênico”. Com o mundo parecendo cada vez mais um manicômio em forma de globo pintado de azul, passamos todos a fazê-lo. Buscamos equilíbrio, vide as salas lotadas de yoga, verso as casas decoradas em feng shui. Buscamos felicidade, a promessa contemporânea, ou você acha que a mídia funciona em cima do que? É evidente que o carro x, o fast food y, a pasta de dentes z, foram feitos única e exclusivamente para te deixarem feliz.

E buscamos o paradoxo de não ser mais um na multidão, ao mesmo tempo que queremos delimitação generalizada. Ter nome para a própria angústia, solidão, desamparo e dor funciona como âncora, tanto para se agarrar em esperança de cura (inexistentes devo colocar, visto que estes são intrínsecos à condição humana de existência) quanto para justificar-se a si ou ao resto das pessoas. Afinal que culpa você tem de ter depressão?

Chegamos no tendão de Aquiles. A culpa. Talvez a maior fonte de sofrimento da raça humana. Bom que a temos, assim não saímos matando uns aos outros. Mas nos sentimos culpados pela própria dor. Nos sentimos culpados se não conseguimos cumprir a promessa contemporânea ao concretizar a felicidade. E também nos sentimos culpados quando conseguimos.

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