Atrás do escuro



Quem partiu a noite? Ou já será esse um costume nosso? Já está tarde e o sono deve estar fazendo amor com a tranqüilidade em cima de alguma nuvem insurgente. “Fica tranqüila”. Como se estar viva não fizesse mal algum pra quem padece. Ocorre que ainda não descobri como vou me inventar diante dessas importunas horas gagas à tua (quase) frente? Tudo isso pra não ter que encarar o destino de te amar ao lado da tua ausência, que piora quando escurece. Perco mesmo a fala, em fidelidade a mim mesma, entenda.

Não consigo morrer nas madrugadas porque são nelas que a vida chega. E as roupas todas espalhadas pelo chão fazem o melhor cenário da verdade tão perturbadora para os andantes vestidos. Estes que não entendem que minha alma tem índole obscena e opta por viver nua. Eu quem não deveria entendê-los, afinal, que alma precisa de vestes?

Nada em mim se faz mais ou menos. E nenhum de nós dois somos frutos ou serventes do acaso. Tenho medo do que faz sentido, mas prefiro continuar assim para me proteger da conveniência. De qualquer forma duvido muito que tu tenhas fôlego para enfrentar meus excessos, meus instintos, minha insônia, e especialmente minha clandestinidade. Prefiro crer que te preservo. E confia que o faço, a meu modo.

Não tenho código de barra, de gênero, de comportamento, é inútil me procurar em qualquer uma das inúmeras conjecturas mundanas. Mas tenho alma suficiente para alcançar o horizonte. Sei que com o passar dos dias esse miocárdio vai parar de me golpear no ritmo frenético em que se encontra neste exato momento. E sei que o vento vai levar com ele todos os lugares que teu cheiro me faz ir, mesmo que ele agora esteja por todos os cantos, mas desencantos são assim mesmo, fixados na minha pele.

Estou sim, cônscia dos pormenores. Estes pequenos detalhes. Quem mora atrás da cortina. Quem é artista sem platéia. Quem monologa ao telefone. Quem tanto almeja que se priva. Quem se esquece por tanto lembrar. Quem enxerga no escuro. Ah, e claro. Que o vento e eu, vamos para o mesmo lugar. Ele como eu, nunca verás. Mas sentirás quando viermos.

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