Casamento de opiniões. Ou divórcio de idéias.




(...)


-          Mas como assim tu nunca pensou em casar?

Me perguntou naquela histeria típica de mulher quando embesta. Mas com o detalhe de que eu era a mulher, e ele o homem.

- Assim, nunca.

- Mentira tua!

- Não é. Juro.

- Mas por que não?

- E porque sim?

- Ora, porque sim... Porque sim, ué. Para consolidar a tua relação. Para constituir uma família. Para compartilhar a vida com alguém, marido e mulher, esposo e esposa, estado civil.

- Não acho que compartilhar a vida com alguém significa ir gastar uma grana federal em uma simples festa, trocar alianças na frente de um padre e de um monte de gente e pronto, a mágica “do felizes para sempre” foi consolidada.

- Olha aqui. Primeiro. Se tu insistir em chamar novamente o dia do casamento de “uma simples festa”, não vai dar para a gente conversar. Segundo, não foi nada disso que eu disse, não é a cerimônia que vai fazer nada, a cerimônia é a simbologia disso tudo. E terceiro.... ah quer saber? Deixa pra lá.

- Começou, termina.

- Pra quê se tu vais negar?

- Agora fala.

- Bom, em terceiro eu acho que tu apenas afirmas isso porque é filha de pais separados, deve ter algum tipo de trauma de infância e criou a idéia de casamento não da certo.

- Meus pais se separaram quando eu tinha 13 anos, não é mais infância. Além do que, antes disso eu também nunca quis casar, nunca olhei para o futuro penando nisso.

- Mentira tua!

- Não é mentira. De pés juntos que não é.

- Tu nunca brincou de dia do casamento quando era pequena?

- Não.

- Nem em festa junina? Nunca quis ser a noiva?

- Se tinha pescaria, pra que eu iria querer ser a noiva? Aliás, por Deus que eu nunca entendi a graça daquilo.

- Por Deus digo eu! Tu já foi em algum casamento, certo?

- Claro que sim.

- E tu nunca chorou em um casamento?

- Já chorei sim.

- Há! Eu sabia!!!

- Mas não foi pelo casamento, foi por outro motivo. E ninguém viu.

- Mas que guriazinha. Bom, como tu nunca te casastes, e já foi em um casamento, o que tu fazes na hora em que a noiva vai jogar o buquê e ficam todas as gurias que ainda não se casaram atrás?

- Eu fico assistindo, adoro essa parte. Eu dou muita risada.

- Ta bom, eu tenho que concordar que é engraçado mesmo.

- É muito tri, é melhor do que luta livre.

- Ai,ai. Escuta aqui. Toda a mulher, toda a mulher, pensa ou já pensou em se casar.

- Pois então eu sou um homem que nasceu no corpo errado.

- É nada, tu é mulher. É inteira mulher, em cada detalhe!

- Então talvez as outras mulheres que sejam parte homens, visto que tu és e defende tanto o matrimônio. Aliás, veja a etimologia da palavra: matri mônio, domínio materno. Qualquer proximidade com a palavra demônio é mera coincidência.

- Não distorce a situação. Não inventa teorias absurdas para justificar a mentira que tu estas tentando me vender. Tu quer se casar, sim!

- Quero?

- Não quer?

- Não!

- Não acredito.

-Então tá bem.

- Como assim tá bem?

- Então não acredite, ué. Tua descrença não vai mudar minha opinião.

- Ok. Então me explica. Por quê. Porque tu não pensas em casar?

- Porque o casamento destrói uma relação. E não, não é trauma parental, não é medo de compromisso, não é desilusão amorosa. Eu acho que o casamento institui uma idéia de laço entre duas pessoas, como se as alianças nos seus dedos trabalhassem por si só. Uma idéia falsa de segurança e de permanência. Uma espécie inexistente de garantia. O casal deve conquistar-se mutuamente, dia após dia.

- Concordo. Mas os dois podem fazer isso estando casados.

- É bonito na imaginação, mas um tanto quanto utópico. O dia a dia vai consumindo algumas coisas. Pequenas manias, que eram tidas como engraçadinhas nos tempos de namoro podem se tornar insuportáveis. Trabalho, stress, contas para pagar, insatisfações pessoais, vazios existências, tudo isso acaba sendo compartilhado também, ou tu achas que só se partilha companheirismo, prazer e sorrisos?
Sem falar em sexo, não tem como a rotina não esfriar isso uma hora.

- Criatividade, minha cara. Inovação. Se é o lema central para os negócios, porque não levar para o casamento também, que não deixa de ser um? Afinal tem que se investir, trabalhar em equipe, dividir tarefas, aprender a ouvir, querer crescer junto, saber ceder, lidar com diferenças, saber gerenciar.

- Ah sim. Então nascem os filhos. Gerencie isso então, e um casamento ao mesmo tempo. Como se já não beirasse o abismo do desumano administrar um casamento, tem que gerenciar outras vidas por tempo indeterminado, sem direito a férias, demissão, devolução ou indenização. A não ser na separação, aí sim, entram direitos legais. A pensão alimentícia, a  divisão de bens e de cacos de coração restantes, um fica com a frustração e o outro fica com a sensação de fracasso. Até testemunha tem, que nem condenação: “Eu vos condeno, marido e mulher”. Não, muito obrigada, eu passo.

- Medrosa!

- Como assim?

- M-E-D-R-O-S-A!!!

- Por quê?

- Por que tu estás pensando no que de pior pode acontecer, para eliminar a chance de nascer em ti um desejo de tentar. Porque tu queres um amor para vida toda, e preferiu te convencer que isso não existe na vida real, só em Hollywood. Mas eu vou te dizer uma coisa. Felizes para sempre, realmente pode não existir. Agora duas pessoas, que se amam, resolvem ser fiéis uma à outra e construir a vida delas juntas, com altos e baixos, com risos e lágrimas, com noites e dias, invernos e verões, isso minha cara, isso existe sim.

- E porque isso tem que passar pelo casamento? Ou existe alguma lei que me proíba de ser fiel a uma pessoa, construir minha vida com ela, compartilhar a minha existência, e estar ali seja em tempestades ou calmarias?

- Hum!

-Hum!!

(depois de alguns momentos reflexivos de silêncio).

- Olha... Talvez tu tenhas razão. Talvez o casamento não seja esse bicho de sete cabeças que eu acho que é. Talvez possa dar certo.

- Tá maluca? Casar é firmar condenação à pena de morte de uma relação. E em comum acordo. Me convenceu!

2 comentários:

  1. Excelente!
    Adorei a construção do texto, sua diálogo-addicted! :)

    To the infinite AND BEYOND.

    Beijos

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