A fragilidade da hora





Hoje revi fotos e cartas antigas. Registros de vida, por assim dizer. Faz tanto tempo, e parece que foi ontem. Hoje eu parei um pouco para sentir, o ritmo alucinante da vida sempre parece se sobrepor ao sentimento. Hoje em dia se fores perguntar para qualquer pessoa o que ela faz, a lista é extensa. O que tem na sua agenda hoje? Será que você tem tempo para ler esse texto?

Acorda, toma banho, toma café, vai trabalhar, e vai voando. Tem reunião as 9:00, tem relatório pra entregar as 10:00, tem prazo até as 11:30, almoça, volta a trabalhar, checa os e-mails, trabalha mais, se segura ao freio máximo para não quebrar a cara do chefe, se concentra, foco. Trabalha, entra no MSN pra espairecer, volta ao trabalho. Final do expediente. Vai pra aula, chega cansado, mas tem prova, tem matéria nova, ou tem trabalho que vale nota ou mesmo você esta já pagando uma nota pra não prestar a mínima atenção. Então acorda.

Nesse meio tempo tem que ter brechas para ler, senão emburrece. Tem que treinar com a mesma obrigação que vai trabalhar, e comer de forma saudável porque corpo é casa. Falando nisso, tem que encontrar tempo para ir ao médico, dentista e terapeuta, porque saúde é fundamental. Faz a mão e pé, cuida muito bem dos cabelos, passa hidratante depois do banho, e cremes específicos para o rosto, porque beleza é fundamental também. Tem que ser produtivo e se destacar de alguma forma, porque se não for despedido vai ser ultrapassado pelo colega da mesa da do lado. Atualizar-se constantemente, tem que estudar, tem que estar informado, mas tem que ter tempo para construir opinião e pensar a partir de idéias próprias, senão vira robô. Tem que se fazer presente para os familiares e nunca esquecer da família que você mesmo escolheu, seus amigos. Como se fosse só isso. Pensa aí, quantas outras milhares de coisas acontecem entre uma coisa e outra?

Vivemos no mundo da técnica especializada, na digitalização da eventualidade, onde tudo parece ser passível de transformação numérica e portanto previsível. Vivemos no império da Ciência, onde criamos nossas convicções de vida saudável e prolongada, muito em breve vamos nascer com prognóstico genético: "Fulano, tantos centímetros, tantos quilos, possibilidade de 90% de câncer na próstata aos 40 anos."

O tempo parece cada vez mais adquirir uma nova dimensão com a velocidade ininterrupta dos acontecimentos, nosso olhar sempre voltado para a próxima tarefa, sintoma de nossa lógica de produção. Você toma banho pensando em que roupa colocar, se veste pensando em qual caminho tem menos trânsito para chegar ao trabalho, em plena segunda-feira já sonha com o final de semana, chega sábado você já pensa que domingo será ruim porque depois de domingo tem segunda-feira de novo, e assim vai. E as semanas passam. E passam as estações, e “já estamos em setembro!” E assim passam-se os anos.

Eis a fragilidade da hora. O estado de fraqueza que é o passar do tempo, sem nem mesmo parar para perceber que os dias não retornam. Pensamos que temos uma vida “cheia”, sem acordar de nossa indiferença a esta irremediável contagem decrescente rumo ao nosso próprio fim. Afinal de contas, o que é realmente importante para você? Nosso passado em grande parte é pura criação nossa. Não é feito de realidade. É feito de significado, da forma como as vivências foram por nós significadas e armazenadas. Nosso futuro também, pura invenção nossa. Planejamos, decidimos, seguimos estratégias, mas sempre surgirá o acaso, sempre existirá o imprevisível.

O tempo é relativo, provou Einstein do alto de sua genialidade. Se você pudesse viajar num trem na velocidade da luz, o tempo para você seria sempre igual à zero, simplesmente não existiria! Você não envelheceria, permaneceria jovem em relação a quem não está dentro do trem. Este é o principio da dilatação do tempo, e decorre de sua própria natureza. Mas você pode entrar em outro trem, e ter o mesmo resultado simplesmente vivendo o agora. Nunca um banho vai ser tão bom se você estiver presente, nunca o seu trabalho será tão produtivo se você estiver concentrado exatamente no que esta fazendo, nunca seus relacionamentos serão tão ricos se você estiver inteiro.

Drummond já dizia: “Eterno é tudo aquilo que dura uma fração de segundos, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata.”

Tempo é a gente quem cria. Tempo é a gente quem faz. Tempo é a gente quem escolhe. Escolha como viver o seu, mesmo que o mundo ao redor pareça envelhecer.

Eternize.

5 comentários:

  1. Eternize sempre. E sempre que puder, faça nada.

    Lindo texto, Manu.

    Beijos!

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  2. Oi querida... Nossa, li o teu texto em um dia em que estava pensando bem nisso mesmo...
    Muito bacana...
    e me fez lembrar que mesmo que tenham sido poucos anos, a nossa amizade est'a petrificada em um lugar especial no meu coracao...
    Paz,
    Caca'

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  3. "Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
    Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
    A vida não para. Enquanto todo mundo espera a cura do mal e a loucura finge que isso tudo é normal, eu finjo ter paciência. O mundo vai girando cada vez mais veloz, a gente espera do mundo e o mundo espera de nós um pouco mais de paciência. Será que é o tempo que me falta pra perceber? Será que temos esse tempo pra perder? E quem quer saber? A vida é tão rara, tão rara! Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma, mesmo quando o corpo pede um pouco mais de alma, eu sei, a vida não pára, a vida não pára não."

    Lembrei muito lendo. Beijos.

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  4. Nossa Caca, eu fiquei de cara com teu comentário, novamente a tal sincronicidade parece atacar! Por incrível que pareça, não nos falamos ha tanto tempo, e dentro das fotos e cartas que me refiro na primeira linha, achei zilhoes de registros bibliográficos da nossa amizade, quando ainda éramos duas pirralhas (e ao mesmo tempo, me parece, já tão adultas). Realmente foi uma amizade que vivemos intensamente, e que está devidamente gravada, sacramentada e imortalizada no meu coração.

    Beijo bailarina!

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